quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Nova corrida pelo ouro: Entrevista especial com Telma Monteiro

Telma Monteiro é especialista em análise de processos de licenciamento ambiental

 
“A estrutura a ser criada no novo Marco Legal da mineração é exatamente similar ao da energia elétrica, só mudam as siglas”, constata a educadora ambiental.

“O mesmo Estado que criou áreas de proteção para preservar os biomas demarcou terras indígenas, discutiu por anos a fio o novo Código Florestal, e agora está criando um monstro na forma de um novo Marco Legal da mineração que vai afetar justamente essas mesmas áreas especiais, explorando seus recursos minerais”. A declaração é de Telma Monteiro, ao criticar a proposta de um novo Código da Mineração. Para ela, a elaboração de um novo código para o setor causa a impressão de que “o Estado, que não tem (ainda) o poder de anular as leis já existentes ou de extingui-las, opta por criar novas leis que, na prática, acabam anulando as que se opõem aos seus projetos de poder”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Telma diz que a maior parte dos projetos de mineração está na Amazônia Legal, em unidades de conservação e em terras indígenas. Segundo ela, o atual Marco Legal da área impossibilita validar a mineração em determinadas áreas. Por isso, “foi preciso, então, aproveitando a tramitação do PL 1610/96, começar atrair investidores com uma possível viabilização, em paralelo do novo Marco Legal da mineração brasileira”. E acrescenta: “É uma operação casada, na verdade, um tripé que vai permitir que o governo passe a leiloar, como na energia elétrica, o direito de exploração mineral”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que fatores motivam a alteração no Código da Mineração? Em que consiste e como avalia a proposta de um novo marco regulatório para o setor? 
Telma Monteiro (foto) – Segundo o governo, burocracia e “fraqueza” do poder concedente foram diagnosticadas como os principais problemas do setor de mineração. Em meu entender, isso significa que o Estado se sente inseguro e, como não dizer, pouco soberano com o estado da arte da mineração brasileira. 
Quando se olha o mapa do Brasil, em especial o da Amazônia Legal, com a sobreposição dos processos minerários, nota-se que a maior parte desses processos está localizada em unidades de conservação e em terras indígenas. Ora, com o atual Marco Legal é praticamente impossível viabilizar a mineração em áreas especiais e não há investidor disposto a bancar o risco. 
Então, aproveitando a tramitação do Projeto de Lei n. 1610/96, foi preciso começar atrair investidores com uma possível viabilização, paralelamente ao novo Marco Legal da mineração brasileira. É uma operação casada, na verdade trata-se de um tripé que vai permitir que o governo passe a leiloar, como na energia elétrica, o direito de exploração mineral: Plano Nacional de Mineração 2030 que foi lançado em 2011, o Marco Legal que também começou a ser discutido em 2011 e o Projeto de Lei n. 1610/96, que passou a ter uma visibilidade maior também em 2011. 
É muito importante ressaltar que o Congresso pretende votar o mais rápido possível, este ano ainda, o Código da Mineração. A estrutura a ser criada no novo Marco Legal da mineração é exatamente similar ao da energia elétrica, só mudam as siglas. O Ministério de Minas e Energia vai ter o poder total sobre a exploração dos recursos minerários no Brasil. É uma concentração de poder num único ministério, sem precedentes na história.

IHU On-Line – Como você avalia o Projeto de Lei n. 1610, que regulamenta a exploração de minérios em terra indígena?
Telma Monteiro – Uma comissão especial da Câmara dos Deputados está funcionando para dar um parecer sobre o PL 1610/96 de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR). Eu não acredito no objetivo de fazer uma legislação moderna sobre mineração, voltada para a realidade brasileira, sem consultar os principais interessados no assunto: os indígenas.
A presidente Dilma quer acelerar o processo, pois o Projeto de Lei já foi aprovado pelo Senado e agora tramita na Câmara dos Deputados. Há um entendimento do Ministério Público e das lideranças indígenas no sentido de que a matéria seja vinculada ao Estatuto dos Povos Indígenas que tramita com dificuldade no Congresso. Porém, a própria comissão especial já sinalizou que não seria possível. 
A principal preocupação com relação ao PL 1610/96 é quanto ao poder de veto da comunidade. Embora se fale em oitivas conforme determina a Constituição Federal, a decisão não seria vinculante. Isso seria o mesmo que aprovar a exploração mineral e terra indígena antecipadamente. A oitiva funcionaria como uma praxe para apenas legitimar.

IHU On-Line – Quais as implicações da mineração para os índios Yanomami?
Telma Monteiro – Se for aprovada no Congresso a lei que prevê a regulamentação da mineração em terras indígenas, todos os indígenas do Brasil serão afetados, não apenas os Yanomami.

IHU On-Line – Como os índios Yanomami se manifestam diante da mineração em suas terras? Há divergência de opiniões?
Telma Monteiro – Os Yanomami são contra a mineração em suas terras, pois acreditam que isso vai lhes trazer problemas, prejuízos à saúde e dificuldades de relacionamento entre eles. Estão preocupados com a degradação ambiental que a mineração causa e como isso afetaria sua sobrevivência. Ainda não há divergências entre eles. 

IHU On-Line – Você declarou recentemente que 80% da terra dos índios Yanomami estão destinadas às empresas mineradoras que apenas aguardam a regulamentação para extrair minério dessas terras. Quais são as empresas envolvidas nesse processo?
Telma Monteiro – Posso citar inúmeras empresas envolvidas com processos minerários no Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, em terra Yanomami. Algumas delas têm dezenas de processos, mas o interessante é que não são conhecidas e na internet só consta ocasionalmente um endereço físico. Tenho a impressão que são apenas empresas formadas com o propósito específico de assegurar para o futuro a “posse” de um naco do território quando for aprovada a mineração em terras indígenas. 
Imagino também que esses processos serão repassados a empresas maiores como aconteceu no caso da mineradora canadense Belo Sun Minig, no Xingu, que adquiriu parte dos direitos minerários de titulares brasileiros. Eis os nomes de algumas empresas que têm números expressivos de processos, todos na Terra Indígena Yanomami: Mineração Amazônia Ltda., BR Mineração Ltda., Eldorado Norte Empresa de Mineração Ltda., C.R. Almeida Engenharia e Construções (essa é conhecida); Brasil Lithium Comércio e Indústria de Minérios Ltda.,Mineração Guararema Ltda., Mineração Montes Roraima Ltda., Mineração Novo Astro S.A., que pertence ou pertenceu a Eike Batista. 
É interessante também notar que cada empresa tem interesses em várias substâncias, tais como: ouro, cobre, nióbio, estanho, chumbo, manganês, cassiterita, berílio, alumínio, platina, prata, tântalo, lítio, césio, tungstênio, zinco, tantalita.
Quando se vê o mapa da terra indígena Yanomami sobreposta com os processos minerários dá para se ter uma ideia da tragédia que seria caso liberassem a mineração em terras indígenas. A maior parte do território está quadriculada. 

IHU On-Line – Quais são as maiores contradições do Estado brasileiro em relação à mineração e à exploração dos recursos minerais? 
Telma Monteiro – A maior contradição é que o mesmo Estado que criou áreas de proteção para preservar os biomas demarcou terras indígenas, discutiu por anos a fio o novo Código Florestal, e agora está criando um monstro na forma de um novo Marco Legal da mineração que vai afetar justamente essas mesmas áreas especiais, explorando seus recursos minerais. 
A impressão que fica é que, à medida que o Estado, que não tem (ainda) o poder de anular as leis já existentes ou de extingui-las, opta por criar novas leis que, na prática, acabam anulando as que se opõem aos seus projetos de poder.
O Estado tem obrigação de cumprir a lei que, se existe, é graças à aspiração da sociedade. O Estado não pode contornar o cumprimento da lei para satisfazer interesses setoriais, criando outra lei. 

IHU On-Line – Nos últimos dias a imprensa tem divulgado notícias sobre a “corrida do ouro” no Pará, e da possível atuação da Belo Sun Mining na região. Como avalia a atuação internacional no território brasileiro? O que essa “corrida pelo ouro” significa e quais as implicações disso para o Brasil?
Telma Monteiro – É muito estranho a gente achar alguns sites de grandes empresas internacionais de mineração com chamadas para os investimentos em minas de ouro no Brasil. Empresas como Eldorado Gold, Belo Sun Mining, Brazilian Gold e International Goldfields estão disputando palmo a palmo concessões na região do rio Tapajós, no rio Teles Pires e no rio Juruena ondes serão construídas ao todo mais de 20 hidrelétricas e outro tanto de PCHs. 
Na região do Teles Pires-MT, Província Mineral de Alta Floresta, a australiana International Goldfields adquiriu, em 2011, 90 % dos direitos minerários de uma área de 3,250 km². 
Enfim, parece que estamos tendo mesmo uma nova “corrida pelo ouro” no Brasil. As implicações só conheceremos, espero que não, se forem aprovados os projetos do governo para minerar em terras indígenas e unidades de conservação. Até lá a sociedade deve ficar atenta.

Juiz proibe licença ambiental prévia para construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós




O juiz Airton Portela, da 2ª Vara Federal de Santarém, proibiu que a União, o Ibama, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Eletrobras e Eletronorte concedam licença ambiental prévia para a construção da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que vai afetar diretamente os municípios de Itaituba e Trairão, no oeste do Pará.
A decisão foi lavrada ontem (19).
Nela, a Justiça Federal determina que a licença ambiental prévia só poderá ser concedida após Avaliação Ambiental Integrada (AAI) em toda a bacia dos rios Tapajós e Jamanxim, com base em critérios técnicos, econômicos e socioambientais.
A avaliação deverá considerar, inclusive, “a necessidade de mitigações e compensações no que diz respeito à infraestrutura urbana, rodoviária, portuária e aeroportuária, além de investimentos em saúde e educação nos municípios de Santarém, Jacarecanga, Itaituba, Novo Progresso, Trairão, Rurópolis, Aveiro e Belterra.”
A liminar também ordena que o Ibama, a Aneel, Eletrobras e Eletronorte ouçam as comunidades indígenas Andirá-Macau, Praia do Mangue, Praia do Índio, Pimental, KM 43, São Luiz do Tapajós e outras que não tenham sido localizadas.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Pastorais repudiam Eletronorte e Eletrobrás que estão gerando conflitos no Tapajós

Instituto Humanitas Unisinos

30/10/2012

 
"Avaliamos que as empresas interessadas em construir o complexo Tapajós em nome do tal “desenvolvimento” já se apresentam como violadores dos Direitos Humanos, dos ribeirinhos, dos povos tradicionais, gerando conflitos entre comunitários, tirando a tranquilidade de pais e mães de famílias, e trabalhadores que tem o rio como sua principal fonte de vida e sustentação. Isso significa que há uma grande tendência ao aumento dos conflitos se essas empresas continuarem com essa prática abusiva que não levam em consideração a vida humana", afirma a nota do Secretariado da CNBB do Regional Norte 2 (Pará e Amapá).

Eis a nota

As pessoas já nascem com os direitos da própria humanidade, de viver e conviver com os outros e com o meio ambiente, de acordo com a qualidade de vida possível em cada tempo e lugar. Partindo desse direito, viemos através deste, repudiar os últimos acontecimentos relativos à implantação das usinas do Complexo Tapajós. A Vila de Pimental, localizada as margens do rio Tapajós, no município de Trairão, próximo a Itaituba, com aproximadamente 800 ribeirinhos está sofrendo violações de direitos, além dos efeitos danosos que as empresas Eletronorte e Eletrobrás estão provocando na região.

A comunidade vive atualmente em conflito devido à entrada de empresas que prestam serviço para a Eletronorte como a empresa Geosul (prestadora de serviço da Eletrobrás e Eletronorte), responsável pelo Complexo Hidrelétrico do Tapajós, que através de seus representantes tem causado desconforto para os moradores da localidade. Devido sua entrada, sem permissão, desrespeitando as lideranças, deixou a situação mais complicada e que vem se agravando a cada dia.

A Geosul vem causando transtornos entre as lideranças comunitárias, com agressões verbais, físicas e até ameaças de morte. Esse conflito tem gerado nos últimos dias um clima bastante tenso na comunidade de Pimental que vem resistindo há bastante tempo a esses grandes projetos, porque não trazem nenhum beneficio ao povo destas comunidades.  Pelo contrário, expulsa famílias das terras, destrói o rio, e toda uma biodiversidade. Vale ressaltar que uma grande parte do povo do Tapajós principalmente as comunidades previstas a serem atingidas diretamente, já estão convictas de que esse desenvolvimento anunciado atenderá somente aos interesses do grande capital.

Temos claro que o processo de licenciamento da usina é irregular, pois foi iniciado sem a consulta prévia aos povos indígenas e ribeirinhos afetados. Empresas como a Geosul, seguindo ordens, adentram as comunidades de maneira abusiva, desrespeitando seus direitos, provocando conflitos entre os moradores.

Diversas Unidades de Conservação na região do Tapajós foram criadas no âmbito do Sistema Nacional de Ucs, incluindo algumas na categoria de proteção integral, como o Parque Nacional da Amazônia e agora como medida de inconstitucionalidade. O governo faz uma Medida Provisória para não afetar várias Unidades de Conservação a serem apenas alagadas e inundadas pelo barramento.

Avaliamos que as empresas interessadas em construir o complexo Tapajós em nome do tal “desenvolvimento” já se apresentam como violadores dos Direitos Humanos, dos ribeirinhos, dos povos tradicionais, gerando conflitos entre comunitários, tirando a tranquilidade de pais e mães de famílias, e trabalhadores que tem o rio como sua principal fonte de vida e sustentação. Isso significa que há uma grande tendência ao aumento dos conflitos se essas empresas continuarem com essa prática abusiva que não levam em consideração a vida humana.

Manifestamos nosso apoio e solidariedade aos companheiros que vivem ao longo do Rio Tapajós e seus afluentes, principalmente os Ribeirinhos da Comunidade de Pimental e aos Índios Mundurukus. Tristemente no dia 22 de outubro, a casa do presidente da comunidade, José Odair Pereira, onde estava reunido com membros como João Pereira Matos, Luis Matos de Lima, Risonildo Lobo dos Santos, Edson, Edmilson Azevedo, Eudeir Francisco, Ivanilda, Oziléia, e muitos outros, foi invadida por quatro pessoas que os agrediram e os ameaçaram de morte.

Por isso, não admitimos sermos tratados como entraves ao crescimento econômico, pois somos seres humanos, brasileiros e sofreremos todas as consequências destes projetos hidrelétricos. Lançamos nosso apoio solidário aos que lutam para que as comunidades não sejam dizimadas, como todos os agentes dos movimentos da Região, MAB, Terra de direitos, Cimi, e outros movimentos sociais. Ao Padre João Carlos Portes, membro da CPT de Itaituba que também recebe ameaças constantes por defender a causa das comunidades e dos povos indígenas dessa região.
Declaramos nossa luta incansável em defesa dos direitos dos povos ribeirinhos, agricultores familiares, pescadores, quilombolas, indígenas e populações tradicionais atingidas e ameaçadas pelo Complexo do Tapajós. Responsabilizamos o estado brasileiro, órgãos como o Ibama, as empresas como Geosul, Eletrobrás, Eletronorte e Projeto Diálogo, pelos conflitos, ameaças, mortes, nessas comunidades ou ao longo do Rio tapajós.

Exigimos a retirada das máquinas das proximidades da Comunidade de Pimental e da Aldeia Munduruku, também a saída das empresas como a Geosul, por estarem causando desordens, conflitos na região, invadindo e desrespeitando propriedades.  “Sabemos que é só o começo, mas não ficaremos de braços cruzados. Temos o direito de nos manifestar contra qualquer projeto que venha acabar com nossas vidas, por isso resistiremos e exigimos que o governo suspenda as pesquisas na comunidade e que respeite os nossos direitos”, afirmam os apoiadores da região.

Secretariado da CNBB do Regional Norte 2 (Pará e Amapá)
Pastoral da Comunicação – PASCOM
Conselho Pastoral dos Pescadores – CPP
Instituto de Pastoral Regional - IPAR
Cáritas Brasileira N2
Comissão Pastoral da Terra - CPT N2
Conselho Indigenista Missionário – CIMI

Ministério Público pede suspensão de licenciamento de usina no rio Tapajós

28/09/2012

Ibama, Aneel, Eletronorte e Eletrobrás iniciaram os procedimentos sem consulta aos povos indígenas e ribeirinhos e sem Avaliação Ambiental Integrada e Estratégica da bacia do Tapajós. A afirmação é do Ministério Público Federal do Pará em nota pública, 27-09-2012, sobre o licenciamento da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.

Eis a nota

O Ministério Público Federal pediu hoje à Justiça Federal de Santarém que suspenda o licenciamento da
usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que o governo federal pretende instalar no rio Tapajós, no oeste do Pará. O licenciamento é irregular porque foi iniciado sem a consulta prévia aos povos indígenas e ribeirinhos afetados e sem as Avaliações Ambientais Integrada e Estratégica, obrigatórias no caso porque estão previstas outras seis grandes hidrelétricas na bacia do Tapajós.

Na ação, o MPF sustenta que não apenas os povos indígenas afetados como as populações ribeirinhas precisam ser consultadas antes da tomada de decisões, protegidos que são pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário. A bacia Tapajós integra mosaicos de áreas protegidas onde se localizam inúmeros territórios indígenas e unidades de conservação de proteção integral e de uso sustentável.

“Os povos indígenas e as populações tradicionais que habitam essas áreas estão ameaçados pela implantação das usinas do Complexo Tapajós. O estado brasileiro aprovou esses empreendimentos e deu início ao licenciamento, sem consultar as populações sobre os impactos em suas vidas”, narra a a ação, assinada pelos procuradores da República Fernando Alves de Oliveira Jr, Felipe Bogado e Luiz Antônio Amorim Silva.

Para o MPF, os procedimentos de
consulta prévia determinados pela Convenção 169 tem que ser feitos antes de toda e qualquer decisão que possa interferir na vida dos povos afetados. “A consulta prévia deve ser feita pelos órgãos competentes para cada medida legislativa e administrativa sujeita a afetar as comunidades e seus territórios”, dizem os procuradores. Cada ato do licenciamento autorizado isoladamente vai gerando impactos sucessivos aos povos afetados.

Em recentes reuniões com o povo Munduruku, principal atingido pelas usinas do Tapajós, lideranças denunciaram que o simples anúncio dos projetos hidrelétricos já está provocando a invasão de garimpeiros ilegais, madeireiros e grileiros em terras indígenas. O MPF também recebeu relatos revoltados de indígenas sobre pessoas entrando nas terras indígenas para fazer pesquisas sem autorização das comunidades, extraindo coisas das matas.

Ou seja, a chegada dos pesquisadores contratados pelas empreiteiras para fazer Estudos de Impacto sem nenhuma consulta já causa danos e viola os direitos indígenas. A previsão de respeito aos direitos de propriedade cultural e imaterial dos índios consta até na última portaria do governo federal sobre o tema, a portaria interministerial nº 419/2012 que proíbe, durante os estudos, “a coleta de qualquer espécie nas terras indígenas”. O Ibama, no entanto, autorizou a captura, coleta e transporte de material biológico para o EIA da usina São Luiz do Tapajós, dentro das terras indígenas e áreas de uso tradicional dos ribeirinhos, o que revolta essas populações.

“O licenciamento da usina São Luiz do Tapajós, da forma como está sendo realizado, afronta o direito dos povos localizados na área. Entre os direitos desrespeitados, não está apenas a ausência de consulta prévia aos povos indígenas, mas também a violação de áreas sagradas, relevantes para as crenças, costumes, tradições, simbologia e espiritualidade desses povos indígenas, o que é protegido constitucionalmente”, diz a ação do MPF.

Avaliações ambientais
“São Luiz do Tapajós integra um complexo de usinas (estão previstas outras seis). No entanto, não foram realizadas Avaliação Ambiental Integrada (AAI) e Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) dos impactos sinérgicos decorrentes dos empreendimentos hidrelétricos”, diz o MPF na ação judicial.

Esses dois tipos de Avaliação Ambiental estão previstos na legislação ambiental brasileira e são requisitos necessários para a autorização de vários empreendimentos em uma única bacia hidrográfica. “A ausência de estudos detalhados sobre os impactos que todas as hidrelétricas podem gerar a partir de seu funcionamento conjunto implica a incerteza quanto às consequências ambientais e sociais da implantação de tais empreendimentos, ainda mais se for considerado que tais consequências poderão ser irreversíveis”, sustenta o MPF

A ação cita acórdão do Tribunal de Contas da União que apoia o uso da Avaliação Ambiental Estratégica, tendo em vista “a pouca articulação do segmento ambiental com o segmento de planejamento, dificultando a realização de um planejamento integrado e ambientalmente sustentável; e a percepção equivocada de que só o licenciamento é suficiente para dar cabo aos problemas ambientais causados por políticas, planos e programas”.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Povos do Tapajós apelam ao STF e ao Congresso pela reprovação de MP que diminui unidades de conservação no Pará



A informação é do Movimento Xingu Vivo, 15-05-2012

A eminência da votação, na Câmara dos Deputados, da Medida Provisória 558/2012 – que diminui cinco unidades de conservação no Pará para facilitar  a construção de hidrelétricas –, levou lideranças indígenas, ribeirinhas, de pescadores e de movimentos sociais da bacia do rio Tapajós, organizadas no Movimento Tapajós Vivo, a escrever um apelo contundente ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional para que rejeitem a medida editada pela presidência da república.

No início do ano, o Ministério Público Federal em Brasília impetrou no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a MP 558. Relatora da ação, a ministra Carmem Lúcia Antunes Rocha pediu ao governo que se manifestasse sobre as denúncias do MPF (o que já ocorreu), e determinou urgência na tramitação.

De acordo com o MPF, até o processamento e julgamento da ação pelo STF, as garantias constitucionais para as áreas protegidas amazônicas estão seriamente ameaçadas. “Mexer nos limites de unidades de conservação em uma região sensível como a Amazônia já é complicado, mas fazê-lo sem estudos ou consulta pública, por meio de canetada, é autoritário e bota em risco as garantias constitucionais da proteção ambiental”, afirma Felício Pontes Jr, do MPF no Pará.

Esta avaliação foi corroborada por uma nota técnica da ONG Imazon, publicada esta semana. “A iniciativa de redução [de Unidades de Conservação], se convertida em lei pelo Congresso, abre precedente para que outras reduções de áreas protegidas ocorram e sejam realizadas da mesma forma em vista das demais hidrelétricas planejadas para a Amazônia, além de tornar o processo de licenciamento ambiental questionável juridicamente”, afirma o Imazon.

O Congresso Nacional estipulou um prazo até 30 de maio para votar a MP 558. De acordo com o MPF, se a MP for convertida em lei antes do julgamento no STF, uma nova Adin deverá ser iniciada e processada no Supremo.

Eis a nota.

NOTA DE REPÚDIO

Nós, ribeirinhos, indígenas, movimentos e organizações sociais da região do Rio Tapajós, vimos por meio desta repudiar a edição da Medida Provisória 558/2012 pela Presidente da República, Dilma Rousseff, que suprimiu vastas áreas protegidas dos Parques Nacionais da Amazônia, das Florestas Nacionais Itaituba I, Itaituba e do Jamanxim e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós, de forma  absolutamente inconstitucional.

Essa medida provisória foi assinada com o objetivo principal de abrir caminho para a implantação das mega-barragens de São Luiz do Tapajós e Jatobá no Rio Tapajós, sem qualquer consulta prévia junto às populações ameaçadas, e sem estudos obrigatórios sobre a sua viabilidade socioambiental e econômica. Se construídos, esses projetos vão comprometer a integridade de toda a nossa região, inclusive a base da alimentação e da sustentação econômica das populações locais, como se essa fosse uma região desabitada. Além disso, a MP 558 compromete espaços protegidos que formam uma área prioritária de conservação da biodiversidade, e um verdadeiro escudo a proteger a Amazônia do avanço das frentes de desenvolvimento predatório e do desmatamento. Nesse sentido, a violência desse ato normativo atinge o coração de um mosaico de unidades de conservação e acarreta a destruição dos atributos ecológicos justificadores de sua criação.

Que fique claro que as representações signatárias defendem a validade parcial da medida provisória, apenas na parte em que desafeta a parte Leste do Parque da Amazônia para possibilitar a criação e implantação de assentamentos do INCRA em posses antigas ocupadas por produtores familiares e comunidades tradicionais residentes da área. Esta é uma demanda histórica, legítima e representa um avanço para o desenvolvimento sustentável da região.

Exigimos do Supremo Tribunal Federal a declaração da inconstitucionalidade da Medida Provisória 558/2012, acatando os argumentos do Ato Direto de Inconstitucionalidade – ADI apresentado pelo Procurador Geral da República, Sr. Roberto Gurgel, assim como a sua rejeição pelo Congresso Nacional.

Itaituba, 11.05.2012

 
Assinam:
Pe. José CarlosPortes – CPT
Maria Eva Gonçalves Souza – com. Km 40/Ass. S. Francisco de Assis
Lucielle de Souza Viana – Pastoral da Juventude
Raione Lima – CPT
Maria do Amparo Ferreira – FMS
Claudete dos Santos – MAB
Simar dos Anjo – comunidade Montanha Mangabal
Raimundo Pereira Silva – com. Km 40/Ass. S. Francisco de Assis
Miguel pereira de Oliveira – com. Km 40/Ass. S. Francisco de Assis
Adão Gonçalves de Araujo – com. Km 40/Ass. S. Francisco de Assis
Maria Pereira Kaiser – Amma/Aveiro
Antonia Melo daSilva – Mov. Xingu Vivo
Daniel Wegman
Eudenir Azevedo – com. Pimental
Edmilson Azevedo – com. Pimental
Antonio Jesus Andrade – com. Pimental
Joelma Costa de Souza – com. Pimental
Genilda Batista de Azevedo – com. Pimental
Jurandir Alves da Silva – CPT
Ivanildo Saw Munduruku
Tiago Munduruku – cacique
Roseninho Pinheiro Torres
Francisca Bezerra Costa – MMCCR
Ilse Maria da Silva – com. Km 40/Ass. S. Francisco de Assis
Pedro Braga da Silva – com. Montanha Mangabal
Adriana Paiva Silva – CFR Rurópolis
Maria Marta de Azevedo
José Odair Pereira – com. Pimental
Rosimar Matos – com. Pimental
Luiz Matos de Lima
Laíde Pereira
Jesielita Roma Goveia – FMS BR 163]
Angela Batista – com. Pimental
Marlene da Silva – com. Pimental
João Pereira Matos – com. Pimental

Indígenas Munduruku: "Por isso não queremos mais ouvir sobre essas barragens na bacia do rio Tapajós"




"Aximãyu’gu oceju tibibe ocedop am.
Nem wasuyu, taweyu’gu dak taypa jeje ocedop am."
(Não somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros, nem macacos para morar nos galhos das árvores)





O artigo é de Telma Monteiro e está publicado em seu blog
24/04/2012

E Karosakaybu fez, com seu poder de deus, surgir o paraíso no rio Tapajós. Adicionou um local especial com cachoeiras e corredeiras, palco sagrado para os cantos e danças das lindas mulheres Munduruku.

Na vasta Mundurucânia, no alto Tapajós, habita o deus criador do mundo, Karosakaybu, segundo os Munduruku.[1]

Um deus tão poderoso que transformaria homens em animais e protegeria os Munduruku da escassez de caça e de pesca. A harmonia com a natureza seria assegurada com tão importante protetor.

Chegou o dia em que ousaram profanar esse território sagrado. E o véu místico formado por centenas de cânticos e rimas que ecoavam nas pedras e nas águas foi arrancado pela pressão dos engolidores da floresta e perdeu-se nos escaninhos da história.  Então, o silêncio desceu sobre o lugar sagrado e a inocência dissipou-se nas espumas.  Ritos e cerimônias já não são mais ouvidos e espalhados pelo rio poderoso e belo.

Ainda hoje os Munduruku contam suas histórias no esforço de manter vivo um elo com suas crenças e valores ameaçados pela realidade do mundo moderno: as hidrelétricas planejadas para o rio Tapajós.

Vão em busca da utopia para tentar adicionar um tanto de sonho às ambições dos jovens sem destino delineado. A insegurança é o inimigo contra o qual, hoje, os Munduruku têm que lutar.

Carta de protesto da etnia Munduruku ao Presidente da República contra a construção de cinco mega hidrelétricas na bacia do Rio Tapajós

Missão São Francisco do Rio Cururu 06 de novembro de 2009

Exmo.  Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva Exmo.  Senhor Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão e demais Autoridades responsáveis pelo setor energético do Brasil.
Nós comunidade indígena, etnia Munduruku, localizada nas margens do Rio Cururu do Alto Tapajós, em reunião na Missão São Francisco, nos dias 5 e 6 de novembro, viemos por meio deste manifestar à vossa excelência nossa preocupação com o projetof ederal de construir cinco barragens no nosso Rio Tapajós e Rio Jamanxim.
Para quem vai servir?  Será que o governo quer acabar todas as populações da bacia do Rio Tapajós? Se apenas a barragem de São Luis for construída vai inundar mais de 730 Km².
E daí?  Onde vamos morar?  No fundo do rio ou em cima da árvore?
Aximãyu’gu oceju tibibe ocedop am.  Nem wasuyu, taweyu’gu dak taypa jeje ocedop am. (não somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros, nem macacos para morar nos galhos das árvores).  Nos deixem em paz.  Não façam essas coisas ruins.  Essas barragens vão trazer destruição e morte, desrespeito e crime ambiental, por isso não aceitamos a construção das barragens.  Se o governo não desistir do seu plano de barragens, já estamos unidos e preparados com mais de 1.000 (mil) guerreiros, incluindo as várias etnias e não índios.
Nós, etnia Munduruku queremos mostrar agora como acontecia com os nossos antepassados e os brancos (pariwat) quando em guerra, cortando a cabeça, como vocês vêem na capa deste documento.  Por isso não queremos mais ouvir sobre essas barragens na bacia do Rio Tapajós.  Por que motivo o governo não traz coisas que são importantes para a vida dos Munduruku, para suprir as necessidades que temos, como educação de qualidade, ensino médio regular, escola estadual, posto de saúde, etc.
Já moramos mais de 500 anos dentro da floresta amazônica, nunca pensamos destruir, porque nossa mata e nossa terra são nossa mãe.
Portanto não destruam o que guardamos com tanto carinho.

Das guerras, as cabeças do inimigo como troféu. Nas flautas e nos cantos ainda guardam a forma de encantar os animais nas florestas e encontram o último resquício da magia da sua história. Restam os Xamãs, únicos que podem invocar as Mães da Caça numa súplica contra os seres que querem ameaçar os animais.

Notas
[1] Segundo relato etnográfico, Mello (2006)

Esse texto foi postado pela primeira vez em 29 de agosto de 2010 (NA)