"Aximãyu’gu
oceju tibibe ocedop am.
Nem
wasuyu, taweyu’gu dak taypa jeje ocedop am."
(Não
somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros, nem
macacos para morar nos galhos das árvores)
E Karosakaybu fez, com seu poder de deus, surgir o paraíso
no rio Tapajós. Adicionou um local especial
com cachoeiras e corredeiras, palco sagrado para os cantos e danças das lindas
mulheres Munduruku.
Na
vasta Mundurucânia, no alto Tapajós,
habita o deus criador do mundo, Karosakaybu, segundo os Munduruku.[1]
Um deus
tão poderoso que transformaria homens em animais e protegeria os Munduruku da
escassez de caça e de pesca. A harmonia com a natureza seria assegurada com tão
importante protetor.
Chegou
o dia em que ousaram profanar esse território sagrado. E o véu místico formado
por centenas de cânticos e rimas que ecoavam nas pedras e nas águas foi
arrancado pela pressão dos engolidores da floresta e perdeu-se nos escaninhos
da história. Então, o silêncio desceu sobre o lugar sagrado e a inocência
dissipou-se nas espumas. Ritos e cerimônias já não são mais ouvidos e
espalhados pelo rio poderoso e belo.
Ainda
hoje os Munduruku contam suas histórias no
esforço de manter vivo um elo com suas crenças e valores ameaçados pela
realidade do mundo moderno: as hidrelétricas planejadas para o rio Tapajós.
Vão em
busca da utopia para tentar adicionar um tanto de sonho às ambições dos jovens
sem destino delineado. A insegurança é o inimigo contra o qual, hoje, os
Munduruku têm que lutar.
Carta de protesto da etnia Munduruku ao
Presidente da República contra a construção de cinco mega hidrelétricas na
bacia do Rio Tapajós
Missão
São Francisco do Rio Cururu 06 de novembro de 2009
Exmo.
Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva Exmo.
Senhor Ministro das Minas e Energia, Edson Lobão e demais Autoridades
responsáveis pelo setor energético do Brasil.
Nós
comunidade indígena, etnia Munduruku, localizada nas margens do Rio Cururu do
Alto Tapajós, em reunião na Missão São Francisco, nos dias 5 e 6 de novembro,
viemos por meio deste manifestar à vossa excelência nossa preocupação com o
projetof ederal de construir cinco barragens no nosso Rio Tapajós e Rio
Jamanxim.
Para
quem vai servir? Será que o governo quer acabar todas as populações da
bacia do Rio Tapajós? Se apenas a barragem de São Luis for construída vai
inundar mais de 730 Km².
E daí?
Onde vamos morar? No fundo do rio ou em cima da árvore?
Aximãyu’gu
oceju tibibe ocedop am. Nem wasuyu, taweyu’gu dak taypa jeje ocedop am.
(não somos peixes para morar no fundo do rio, nem pássaros, nem macacos para
morar nos galhos das árvores). Nos deixem em paz. Não façam essas
coisas ruins. Essas barragens vão trazer destruição e morte, desrespeito
e crime ambiental, por isso não aceitamos a construção das barragens. Se
o governo não desistir do seu plano de barragens, já estamos unidos e
preparados com mais de 1.000 (mil) guerreiros, incluindo as várias etnias e não
índios.
Nós,
etnia Munduruku queremos mostrar agora como acontecia com os nossos
antepassados e os brancos (pariwat) quando em guerra, cortando a cabeça, como
vocês vêem na capa deste documento. Por isso não queremos mais ouvir
sobre essas barragens na bacia do Rio Tapajós. Por que motivo o governo
não traz coisas que são importantes para a vida dos Munduruku, para suprir as
necessidades que temos, como educação de qualidade, ensino médio regular,
escola estadual, posto de saúde, etc.
Já
moramos mais de 500 anos dentro da floresta amazônica, nunca pensamos destruir,
porque nossa mata e nossa terra são nossa mãe.
Portanto
não destruam o que guardamos com tanto carinho.
Das
guerras, as cabeças do inimigo como troféu. Nas flautas e nos cantos ainda
guardam a forma de encantar os animais nas florestas e encontram o último
resquício da magia da sua história. Restam os Xamãs, únicos que podem invocar as Mães da
Caça numa súplica contra os seres que querem ameaçar os animais.
Notas
[1]
Segundo relato etnográfico, Mello (2006)
Esse
texto foi postado pela primeira vez em 29 de agosto de 2010 (NA)
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