quinta-feira, 28 de março de 2013

Projetos para construção de hidrelétricas no rio Tapajós intensificam violações de direitos no Oeste do Pará



Na região Oeste do Pará, povos, territórios, etnias e culturas diferentes enfrentam um problema em comum: o projeto do Complexo Hidrelétrico Tapajós. Os planos para construção de sete usinas hidrelétricas, a partir de barragens no rio Tapajós e Jamanxim, ameaçam pelo menos 32 comunidades, além de dois mil quilômetros de território indígena, principalmente da etnia Munduruku.
Para debater acerca das diversas violações de direitos causadas pelo avanço do projeto de construção das hidrelétricas, além da expansão do agronegócio e da exploração mineral na Amazônia, mais de 20 organizações, vindas de 10 diferentes municípios do Oeste do Pará, se reuniram no seminário regional “Desenvolvimento e Direitos Humanos na Amazônia”. A atividade foi realizada nos dias 22 e 23 de março, no município de Itaituba/PA, pela Terra de Direitos, em parceria com o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB e Comissão Pastoral da Terra – CPT.
Falsas e antigas promessas de desenvolvimento, oportunidades de trabalho e melhorias nas condições de vida têm sido utilizadas como argumento para convencer a população a aceitar a construção das hidrelétricas. “A barragem é anunciada como um processo de desenvolvimento e como a redenção dos problemas enfrentados pelas comunidades. As empresas se aproveitam da ausência de políticas públicas, utilizam isso como instrumento a seu favor”, afirma o integrante da coordenação nacional do MAB no Pará, Iury Paulino. Os responsáveis pelo projeto são Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras S/A, Construções e Comércio Camargo Côrrea S/A, Eletronorte – Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A, e EDF Consultoria em Projetos de Geração de Energia Ltda.
Os ribeirinhos da comunidade Pimental não aceitam o discurso de enaltecimento dos benefícios trazidos pelas hidrelétricas. Eles vivem na região onde se pretende cravar o canteiro de obras da São Luiz do Tapajós, a primeira das sete usinas previstas no complexo, e que já está em fase de estudos ambientais. Com potência prevista em 6.133 MW e 39 metros de altura, a usina formará um reservatório de 722,25 km2. “Não tem dinheiro que pague a convivência na nossa comunidade. O desenvolvimento que nós precisamos é energia, melhorias na saúde , na educação, mas não é preciso hidrelétrica no Tapajós para termos tudo isso”, garante Luiz Matos de Lima, liderança comunitária de Pimental.
Para a assessora jurídica da Terra de Direitos em Santarém/PA, Érina Gomes, um dos principais desafios da resistência à construção do complexo hidrelétrico é romper com a histórica prática da “troca do espelhinho”, que restringe os direitos da população a benesses do estado e das empresas. Segundo a advogada, a falta de diálogo e de informações concretas sobre as consequências das barragens às comunidades têm intensificado os conflitos. “Apesar de todo mundo saber que o governo e as empresas pretendem construir a barragem, que o licenciamento ambiental já está sendo feito, o espaço de diálogo e que proporcione a participação da comunidade não existe de uma forma democrática”.
A falta da consulta prévia e informada, direito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, está entre as violações cometidas pelas empresas e pelo governo federal no processo de pesquisa para construção da usina São Luiz do Tapajós. Em novembro de 2012, a Justiça Federal proibiu a continuidade das pesquisas em território dos indígenas da etnia munduruku, do Alto Tapajós, pela falta de consulta prévia à população. Apesar da decisão, lideranças munduruku relatam a continuidade dos estudos na área.
Para além da garantia do direito à consulta prévia, as comunidades frisam a necessidade de que a opinião dos moradores seja respeitada, inclusive na posição de que as hidrelétricas não devem ser construídas. Outra reivindicação é sobre a ampliação das comunidades a serem consultadas. A decisão atual do governo brasileiro é de consultar apenas povos indígenas e quilombolas, excluindo os demais atingidos pelos projetos, como ribeirinhos, pescadores artesanais e pequenos agricultores.

João Tapajós, do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA, afirma a necessidade de que as consultas não sejam utilizadas como oportunidade de convencimento da população. “Nós temos que transformar todos os processos de consulta em espaço de mobilização. Precisamos utilizar a consulta como momento de luta.”.

Fortalecimento e articulação das lutas 
Compartilhar a realidade local e debater sobre os problemas e possíveis ações comuns contribuiu para o processo de articulação entre as diversas comunidades que margeiam o rio Tapajós. Como resultado das reflexões, os movimentos e entidades presentes firmaram o compromisso de avançar na articulação de ações conjuntas e no esforço em mobilizar mais pessoas para defender o território onde vivem. “Todos nós temos que colocar os pés no chão e caminhar nessa luta. Nós somos agentes multiplicadores, é uma luta nossa, é do povo”, ressalta o pescador artesanal José Carlos Mota Feitosa, do município de Aveiro.
Também ficou encaminhada a construção de um documento para denunciar as violações de direitos humanos sofridas pelas comunidades em decorrência do projeto hidrelétrico para a região, especialmente sobre o descumprimento da decisão da Justiça Federal de suspender as pesquisas nas terras indígenas Munduruku.

Fotos: Ramon Santos e Ednubia Ghisi

"Nós, povo Munduruku, repudiamos essa maneira ditadora da presidenta que governa o País."

Tropas da Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública estão posicionadas em Itaituba preparadas para a execução da Operação Tapajós. Conforme informações dos indígenas, os soldados e agentes deverão desembarcar em aldeia Munduruku nesta quinta-feira, 28, para garantir realização dos estudos de impacto do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, no Pará.
A denúncia foi feita pela Associação Indígena Pusuru, em carta divulgada nesta quarta-feira, 27. Os indígenas relatam que foram informados, em reunião com a Fundação Nacional do Índio (Funai), em Itaituba, que um grupo de 60 homens da Força Nacional irá para a aldeia Sawre Muybu, também em Itaituba.
No documento, os Munduruku denunciam o governo, que  ”vem mandando seu exército assassino para nos ameaçar e invadir nossas aldeias” e temem um novo massacre, “porque há 4 meses atrás numa operação chamada Eldorado foi morto um parente e vários ficaram feridos inclusive crianças, jovens e idosos”.
Cerca de 250 homens fortemente armados estão posicionados em Itaituba para a realização da Operação Tapajós. Agentes da Polícia Federal, Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal e Força Aérea foi deslocado para as proximidades da Terra Indígena Munduruku com o objetivo de realizar – à força – o estudo integrado de impactos ambientais para a construção do chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós.
O Ministério Público Federal pediu à Justiça Federal em Santarém que impedisse a realização de uma operação policial do governo federal, porque o licenciamento ambiental da usina está suspenso pela mesma Justiça por falta das consultas prévias aos índios. Porém, o juiz Federal indeferiu o pedido. Valendo-se do feriado prolongado da Semana Santa, tradicionalmente maior para o Poder Judiciário, o governo federal desenvolve a operação de guerra.
Leia carta na íntegra:

CARTA DO POVO MUNDURUKU
Nós! Caciques, lideranças e guerreiros do povo Munduruku sempre lutamos e continuaremos lutando em defesa de nossas florestas, nossos rios, e de nosso território pois é de nossa mãe natureza que tiramos tudo que precisamos para sobreviver, mas o governo que devia nos proteger, vem mandando seu exército assassino para nos ameaçar e invadir nossas aldeias, ultimamente nosso povo vem sendo desrespeitado, vem sendo ameaçado por um  governo  ditador que vem ameaçando e  matando nosso povo, usando suas forças armadas como se os povos indígenas fossem terroristas ou bandidos.
Nós, povo Munduruku, repudiamos essa maneira ditadora da presidenta que governa o País. Não aceitamos que policias entrem em nossas terras sem a nossa autorização para qualquer tipo de operação. É um povo especial! Um povo que já existia muito antes deles chegarem aqui, nessa terra onde chamam de Brasil. Brasil é a nossa terra! Somos nós os verdadeiros brasileiros.
Essa semana o governo brasileiro mandou 250 policiais para garantir a força os estudos das hidrelétricas nas nossas terras.
Hoje pela manhã foi decidido na sede da FUNAI em ITAITUBA que 60 homens da Força Nacional irão para a Aldeia sawre muybu, cumprir o decreto expedido pela Presidenta da Republica do dia 12 de março; é uma Aldeia com 132 Indígenas. Estamos muitos preocupados porque há 4 meses atrás numa operação chamada Eldorado foi morto um parente e vários ficaram feridos inclusive crianças, jovens e idosos, na Aldeia Teles Pires.
O governo marcou uma reunião para dia 10 de abril para falar dessa operação. Mas uma vez esse governo está quebrando acordo com o povo Munduruku, por isso não queremos mais reunir com esse governo até que ele pare com essa ação contra a decisão do nosso povo. Pedimos a ajuda do Ministério Publico Federal, para nos ajudar a resolver esses problemas sem que haja mais mortes. Pois não ficaremos de braços cruzados vendo tamanho desrespeito com nosso povo e nosso território.

Povo Munduruku
Jacareacanga, 27 de março de 2013

Fonte: Cimi-Brasil