Por Cândido Neto da
Cunha
Desencadeada há uma
semana, a chamada “Operação Tapajós” ainda está cercada de informações
desencontradas e contraditórias. E o pouco que se sabe só foi possível
graças ao pedido de suspensão da mesma por parte do Ministério Público Federal
e a uma série de informações enviadas por moradores da região do Médio e Alto
Tapajós, bem como por pesquisadores e ativistas envolvidos com a região. Da
parte do governo federal, notas e notícias produzidas pelos ministérios do
governo Dilma Rousseff trouxeram contradições que, no mínimo, evidenciam a
falta de transparência da ação.
Desde 22 de março,
contingentes de dezenas de homens da Força Nacional de Segurança, Polícia
Federal, Polícia Rodoviária Federal e militares passaram a desembarcar na sede
do município de Itaituba, no Oeste do Pará, às margens do rio Tapajós. Na
região, estão previstas cinco grandes hidrelétricas que barrariam os rios
Tapajós e Jamanxim e afetariam várias terras indígenas, unidades de conservação
e comunidades extrativistas e ribeirinhas.
De início, falou-se que
se tratava de uma operação de combate ao desmatamento e aos garimpos ilegais
praticados ampla e historicamente na região. Esta informação se baseava na
recente criação do chamado “Gabinete Permanente de Gestão Integrada para
Proteção do Meio Ambiente – GGI-MA” por meio do Decreto
Presidencial n° 7.957 de 12 de março de 2013 que teria como
objetivo: “estabelecer normas para a articulação, integração e
cooperação entre os órgãos e entidades públicas ambientais, Forças Armadas,
órgãos de segurança pública e de coordenação de atividades de inteligência,
visando o aumento da eficiência administrativa nas ações
ambientais de caráter preventivo ou repressivo.”
Se o envio dos batalhões
objetivava a melhoria das ações ambientais, a primeira contradição saltava aos
olhos. As tropas desembarcaram longe de onde os servidores do Ibama estão
realizando operações de combate ao desmatamento, nos municípios paraenses onde
estão as bases da chamada “Operação Onda Verde" : Novo Progresso,
Uruará e Anapu. A chegada dos batalhões, sem servidores da área ambiental,
ocorreu em Itaituba, outro município campeão de desmatamento, principalmente
nas áreas de influência das rodovias Transamazônica e BR-163. Registra-se que
no Médio e Alto Tapajós, o “alvo” da operação, não foi constatada nenhuma
grande área desmatada nos últimos doze meses.
No dia 26 de março, a
Procuradoria da República em Santarém impetrava um pedido de liminar para
suspender a “Operação Tapajós” no interior dos territórios mundurukus. Para
o MPF, a “Operação Tapajós” é uma "patente violação à decisão da
Justiça", já que o licenciamento ambiental da usina [de São Luiz do
Tapajós] está suspenso pela falta de consultas prévias aos indígenas. "Há
perigo de dano irreparável com a realização da operação ora noticiada, seja
porque impera na região muita desinformação (até mesmo pela ausência da
consulta prévia), seja porque a referida operação apresenta um potencial lesivo
desproporcional", dizia o documento enviado ao juiz federal de Santarém (PA),
José Airton Portela.
O pedido do MPF tem como
premissa o fato de haver uma decisão judicial que determina ao governo federal
que antes de qualquer Estudo de Impacto Ambiental específico e do processo de
licenciamento se façam Estudos de Impactos Cumulativos das várias hidrelétricas
previstas para a bacia e que estes estudos sejam colocado em processo de
consulta prévia, conforme a Convenção n° 169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Portanto, é um estudo que antecede os demais estudos de impacto
ambiental e ao processo de licenciamento.
Na quarta-feira, 27 de
março, enquanto a Justiça Federal ainda não havia se pronunciado sobre o pedido
de suspensão da “Operação Tapajós” e a notícia da chegada de mais homens da
Força Nacional à Itaituba ganhava a internet, o Ministério das Minas e Energia
(MME) publicava uma nota que deixava claro a que esta força repressiva estava a
serviço:
“Cerca de 80
pesquisadores, entre biólogos, engenheiros florestais e técnicos de apoio,
darão continuidade, nesta quarta-feira 27, ao levantamento da fauna e flora no
médio Tapajós, que irá compor, entre outros estudos, o Estudo de Impacto
Ambiental para a obtenção da Licença Prévia do Aproveitamento
Hidrelétrico São Luiz do Tapajós.
Trata-se da quarta e
última etapa de levantamento da flora e da fauna na região, a etapa do período
de cheia. Os novos estudos têm duração prevista de 30 dias ao longo do rio
Tapajós. Nas outras três ocasiões, pesquisadores estiveram na região para
observar o comportamento ambiental durante os períodos de enchente, vazante e
seca.
Desta vez, os
especialistas observarão o Tapajós e o comportamento de mamíferos, insetos,
anfíbios, répteis, peixes e aves na posição de máxima cheia do rio.
Para garantir o apoio
logístico e a segurança da expedição, os cientistas contarão com ajuda de
equipes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional
de Segurança Pública
O governo federal estuda
no momento o desenvolvimento de dois projetos de usinas hidrelétricas na região
do Tapajós: a de São Luiz do Tapajós e o de Jatobá. A primeira deverá ter
capacidade geradora de aproximadamente 7.000 megawats e atenderá cerca de
14 milhões de pessoas.
O projeto das
hidrelétricas do Tapajós deverá ser o primeiro a seguir o modelo de usinas
plataforma, âncoras permanentes de conservação ambiental nas áreas onde elas
serão implantadas, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.
A visita dos
pesquisadores faz parte da política governamental de seguir rigoroso e
transparente processo de licenciamento ambiental, de maneira a mitigar e
compensar possíveis impactos ao meio ambiente e às populações locais.”
Como se comprova pela
nota, não era para combater desmatamento e garimpos ilegais que mais de
duzentos militares e civis foram deslocados para Itaituba, e sim para fazer,
conforme essa versão, a proteção de técnicos de empresas privadas contratadas
para fazer, não o Estudo de Impactos Cumulativos (determinado judicialmente), e
sim os Estudos de Impacto Ambiental para concessão da Licença Prévia da Hidrelétrica
de São Luiz do Tapajós, a maior das cinco previstas para a região.
A versão do MME
contraditoriamente reforçava os argumentos do MPF, mas ainda no dia 27 de
março, a Advocacia-Geral da União (AGU) assegurou uma decisão judicial que
garantia “a entrada de cerca de 80 pesquisadores, entre biólogos,
engenheiros florestais e técnicos de apoio em terras indígenas para a
realização de estudos ambientais para a viabilização da Usina Hidrelétrica São
Luiz dos Tapajós no estado do Pará”. A notícia foi dada pela
própria AGU em seu sítio, matéria posteriormente retirada do ar, mas que já
havia sido reproduzida AQUI.
De
acordo com a AGU, a pesquisa não viola a decisão liminar obtida pelo MPF, que
condiciona a concessão de licença ambiental prévia e a conclusão do Estudo de
Viabilidade, à consulta das comunidades indígenas sobre o aproveitamento. “As
procuradorias informaram que Estudos de Viabilidade são compostos por diversas
análises preliminares e conclusivas sobre os aspectos da fauna e flora da
região”, afirma trecho da matéria.
Uma nova versão
governamental surgiu a partir da petição feita por pesquisadores, jornalistas,
servidores e moradores das comunidades de Montanha Mangabal e dirigida ao
Secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da
República, Paulo Maldos, e à Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário em
que se pedia “(...)que a Secretaria Nacional de
Articulação Social intervenha para evitar a repetição da violência por agentes
do Estado contra populações indefesas e que ao invés, envie representantes para
ouvi-los." Leia esse documento AQUI.
Em resposta, Thiago
Garcia (Assessor Técnico da Secretaria Nacional de Articulação Social), afirmou
no dia 29 de março:
1. O
governo federal está cumprindo decisão judicial motivada por Ação Civil Pública
do Ministério Público Federal (Ação Civil Pública nº3883-98.2012.4.0) que
determina a realização de estudos para a avaliação ambiental integrada na bacia
dos rios Tapajós e Jamanxim utilizando critérios técnicos, econômicos e
socioambientais. Para que seja possível concluir a primeira etapa da
Avaliação Ambiental Integrada, é necessária a realização dos estudos e análise
do nível das águas neste exato período do ano em que a cheia do Tapajós alcança
seu pico. Só a partir desses estudos é que se poderá prever com exatidão as
consequências de um possível aproveitamento hídrico.
2. A decisão do
Governo Federal em deslocar equipes policiais para acompanhar o trabalho dos
técnicos que realizarão os estudos não tem nenhuma relação com o Povo Munduruku
ou com as comunidades tradicionais e extrativistas que habitam a região do
baixo, médio e alto Tapajós. Não se trata, de maneira nenhuma, de qualquer tipo
de repressão ou intimidação aos movimentos sociais. Trata-se de apoio logístico
e de segurança à equipe técnica que ficará cerca de um mês em área, inclusive
em período noturno. Como sabemos, nessa região, infelizmente, temos uma série
de ilícitos sendo praticados, como garimpo ilegal e retirada de madeira. A
avaliação é de que poderia haver algum tipo de reação justamente dessa pequena
parcela da população envolvida em atividades econômicas ilegais. De nenhuma
maneira a mobilização das equipes de segurança dizem respeito às comunidades
tradicionais, extrativistas, de pescadores e indígenas.
3.
A área dos estudos para o possível empreendimento está restrita a uma região do
Médio Tapajós. Não haverá ingresso de pesquisadores ou de equipe de
segurança em aldeias indígenas ou comunidades durante o período de
estudos. A aldeia indígena mais próxima à área de abrangência dos estudos
- Aldeia Sawre Muybu - está distante cerca de 50 km do local onde
os pesquisadores irão trabalhar. Ainda assim, o planejamento dos estudos foi
apresentado às lideranças da região e definido um acordo de convivência para
que o trabalho dos pesquisadores não interfira nos deslocamentos da comunidade
nem em suas atividades de caça e pesca.
4. As
equipes que se deslocaram para a região saíram com a determinação explícita de
[não] entrar em comunidades ou abordar moradores. A proposta é
de interferir o mínimo possível no cotidiano das comunidades do médio
Tapajós.
5.
Importante reforçar que os estudos de Avaliação Ambiental Integrada visam
justamente subsidiar o processo de consulta e diálogo com povos indígenas e
comunidades da região. Por conta disso, é necessário que esses estudos sejam
realizados de forma mais completa possível, de acordo com a legislação. Um
bom estudo ambiental é necessário para subsidiar a tomada de decisão sobre a
construção do empreendimento e dirimir o clima de insegurança e desinformação
que existe hoje na região.
6.
Outro ponto importante é que a Secretaria-Geral apresentou, no dia 15 de março,
uma proposta de realização das consultas para as lideranças indígenas do Médio
e Alto Tapajós e está dialogando para a pactuação de um plano de consulta, nos
termos da Convenção 169 da OIT. Está prevista a realização de uma nova reunião
em abril para tratar desse assunto.
Por fim, o Secretário
Paulo Maldos pediu para reiterar para vocês que a Secretaria Geral, via
Secretaria Nacional de Articulação Social, está acompanhando e monitorando de
forma permanente a realização dos estudos para que todos os compromissos
relatados acima sejam cumpridos e para que não ocorra nenhum tipo de conflito
entre os técnicos dos estudos e as populações locais. Um servidor nosso, Nilton
Tubino, está na região acompanhando todas essas questões.
Caso vocês queiram
alguma outra informação, ou tenham denúncias ou queiram relatar algum tipo de
abuso cometido por pesquisadores ou polícias, entrem em contato imediatamente
com a gente. O Paulo pediu para informar celular dele (61-81777036), o do
Nilton (61-9928-3439) e o meu, Thiago (61-9126-6988).
Atenciosamente,
Thiago Garcia
Assessor Técnico
Secretaria Nacional de
Articulação Nacional da Presidência da República
Como se percebe, essa
nova versão do governo federal entra em contradição com as versões anteriores.
Afirma-se que os técnicos das empresas privadas contratadas pelo governo estão
fazendo estudos para produção Avaliação Ambiental Integrada (pedida pelo MPF e
determinada pela justiça) e não os Estudos de Impacto Ambiental e para
concessão da Licença Prévia como afirma em sua nota o Ministério de Minas e
Energia e a própria Advocacia Geral da União; e que as forças militares
descoladas para a região “não tem nenhuma relação com o Povo Munduruku ou com
as comunidades tradicionais e extrativistas que habitam a região” e sim servem
de “apoio logístico e de segurança à equipe técnica” contrariando assim a
matéria produzida no sítio da AGU que afirma textualmente que conseguira
judicialmente “a entrada de cerca de 80 pesquisadores, entre biólogos,
engenheiros florestais e técnicos de apoio em terras indígenas para a realização
de estudos ambientais para a viabilização da Usina Hidrelétrica São Luiz dos
Tapajós no estado do Pará”.
A nota afirma ainda que
a área de estudos está a 50 quilômetros da Aldeia Sawre Muybu e que “não haverá
ingresso de pesquisadores ou de equipe de segurança em aldeias indígenas
ou comunidades durante o período de estudos” e que o “planejamento dos estudos
foi apresentado às lideranças da região e definido um acordo de convivência
para que o trabalho dos pesquisadores não interfira nos deslocamentos da comunidade
nem em suas atividades de caça e pesca”.
O cenário pintado pelo
assessor da Secretaria da Presidência também entra em contradição com as
primeiras denúncias que chegam do início da
“Operação Tapajós” , mas o documento serviu para
provar que nem mesmo o governo federal, nesta vergonhosa intervenção militar em
territórios tradicionais, afinou o discurso para tentar convencer uma parte da
opinião pública contrária a mais este absurdo.