segunda-feira, 1 de abril de 2013

Pastores Pentecostais tocam fogo em templos indígenas no Brasil. “Urucum é bosta do diabo”



Ras Adauto da ppaberlim, nos alertou sobre a grave situação em que vivem os Guaranis no Mato-Grosso do Sul: “A luta dos índios guaranis no Mato Grosso do Sul para preservarem suas tradições religiosas necessita de intervenção do governo federal, suas práticas religiosas estão sendo acintosamente satanizadas pelas seitas pentecostais.”

O 25 mil índios que ainda restam na região em que eles foram donos, estão sendo vítimas no momento de um massacre e genocídio cultural. 36 igrejas pentecostais concorrem entre si pelas almas indígenas, somente em uma reserva com 12 mil índios em Dourados.

Os indígenas já não podem nem mais usar urucum, pois segundo os pastores das igrejas, a tinta usada pelos indígenas para cobrir seus corpos, é “bosta” do diabo.

Reportagem de Fábio Pannunzio para a Rede Bandeirantes de Televisão.





Operação Tapajós: Governo Federal entra em contradição sobre o envio de tropas e intenções de pesquisa

Por Cândido Neto da Cunha


Desencadeada há uma semana, a chamada “Operação Tapajós” ainda está cercada de informações desencontradas e contraditórias.  E o pouco que se sabe só foi possível graças ao pedido de suspensão da mesma por parte do Ministério Público Federal e a uma série de informações enviadas por moradores da região do Médio e Alto Tapajós, bem como por pesquisadores e ativistas envolvidos com a região. Da parte do governo federal, notas e notícias produzidas pelos ministérios do governo Dilma Rousseff trouxeram contradições que, no mínimo, evidenciam a falta de transparência da ação.

Desde 22 de março, contingentes de dezenas de homens da Força Nacional de Segurança, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e militares passaram a desembarcar na sede do município de Itaituba, no Oeste do Pará, às margens do rio Tapajós. Na região, estão previstas cinco grandes hidrelétricas que barrariam os rios Tapajós e Jamanxim e afetariam várias terras indígenas, unidades de conservação e comunidades extrativistas e ribeirinhas.

De início, falou-se que se tratava de uma operação de combate ao desmatamento e aos garimpos ilegais praticados ampla e historicamente na região. Esta informação se baseava na recente criação do chamado “Gabinete Permanente de Gestão Integrada para Proteção do Meio Ambiente – GGI-MA” por meio do  Decreto Presidencial n° 7.957 de 12 de março de 2013 que teria como objetivo: “estabelecer normas para a articulação, integração e cooperação entre os órgãos e entidades públicas ambientais, Forças Armadas, órgãos de segurança pública e de coordenação de atividades de inteligência, visando o aumento da eficiência administrativa nas ações ambientais de caráter preventivo ou repressivo.”

Se o envio dos batalhões objetivava a melhoria das ações ambientais, a primeira contradição saltava aos olhos. As tropas desembarcaram longe de onde os servidores do Ibama estão realizando operações de combate ao desmatamento, nos municípios paraenses onde estão as bases da chamada “Operação Onda Verde" : Novo Progresso, Uruará e Anapu. A chegada dos batalhões, sem servidores da área ambiental, ocorreu em Itaituba, outro município campeão de desmatamento, principalmente nas áreas de influência das rodovias Transamazônica e BR-163. Registra-se que no Médio e Alto Tapajós, o “alvo” da operação, não foi constatada nenhuma grande área desmatada nos últimos doze meses.

Esta aparente contradição, aliada ao envio de tropas federais para  “combater conflitos agrários, inclusive indígenas" no Mato Grosso e para “evitar novos atrasos"  na construção da hidrelétrica de Belo Monte, trouxeram à tona as reais intenções do governo federal. 

No dia 26 de março, a Procuradoria da República em Santarém impetrava um pedido de liminar para suspender a “Operação Tapajós” no interior dos territórios mundurukus. Para o MPF, a “Operação Tapajós” é uma "patente violação à decisão da Justiça", já que o licenciamento ambiental da usina [de São Luiz do Tapajós] está suspenso pela falta de consultas prévias aos indígenas. "Há perigo de dano irreparável com a realização da operação ora noticiada, seja porque impera na região muita desinformação (até mesmo pela ausência da consulta prévia), seja porque a referida operação apresenta um potencial lesivo desproporcional", dizia o documento enviado ao juiz federal de Santarém (PA), José Airton Portela.

O pedido do MPF tem como premissa o fato de haver uma decisão judicial que determina ao governo federal que antes de qualquer Estudo de Impacto Ambiental específico e do processo de licenciamento se façam Estudos de Impactos Cumulativos das várias hidrelétricas previstas para a bacia e que estes estudos sejam colocado em processo de consulta prévia, conforme a Convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Portanto, é um estudo que antecede os demais estudos de impacto ambiental e ao processo de licenciamento.

Na quarta-feira, 27 de março, enquanto a Justiça Federal ainda não havia se pronunciado sobre o pedido de suspensão da “Operação Tapajós” e a notícia da chegada de mais homens da Força Nacional à Itaituba ganhava a internet, o Ministério das Minas e Energia (MME) publicava uma nota que deixava claro a que esta força repressiva estava a serviço:

“Cerca de 80 pesquisadores, entre biólogos, engenheiros florestais e técnicos de apoio, darão continuidade, nesta quarta-feira 27, ao levantamento da fauna e flora no médio Tapajós, que irá compor, entre outros estudos, o Estudo de Impacto Ambiental para  a obtenção da Licença Prévia do Aproveitamento Hidrelétrico São Luiz do Tapajós.
Trata-se da quarta e última etapa de levantamento da flora e da fauna na região, a etapa do período de cheia. Os novos estudos têm duração prevista de 30 dias ao longo do rio Tapajós. Nas outras três ocasiões, pesquisadores estiveram na região para observar o comportamento ambiental durante os períodos de enchente, vazante e seca.
Desta vez, os especialistas observarão o Tapajós e o comportamento de mamíferos, insetos, anfíbios, répteis, peixes e aves na posição de máxima cheia do rio.
Para garantir o apoio logístico e a segurança da expedição, os cientistas contarão com ajuda de equipes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e da Força Nacional de Segurança Pública
O governo federal estuda no momento o desenvolvimento de dois projetos de usinas hidrelétricas na região do Tapajós: a de São Luiz do Tapajós e o de Jatobá. A primeira deverá ter capacidade geradora de aproximadamente 7.000 megawats e atenderá cerca de  14 milhões de pessoas.
O projeto das hidrelétricas do Tapajós deverá ser o primeiro a seguir o modelo de usinas plataforma, âncoras permanentes de conservação ambiental nas áreas onde elas serão implantadas, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.
A visita dos pesquisadores faz parte da política governamental de seguir rigoroso e transparente processo de licenciamento ambiental, de maneira a mitigar e compensar possíveis impactos ao meio ambiente e às populações locais.”

Como se comprova pela nota, não era para combater desmatamento e garimpos ilegais que mais de duzentos militares e civis foram deslocados para Itaituba, e sim para fazer, conforme essa versão, a proteção de técnicos de empresas privadas contratadas para fazer, não o Estudo de Impactos Cumulativos (determinado judicialmente), e sim os Estudos de Impacto Ambiental para concessão da Licença Prévia da Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, a maior das cinco previstas para a região.

A versão do MME contraditoriamente reforçava os argumentos do MPF, mas ainda no dia 27 de março, a Advocacia-Geral da União (AGU) assegurou uma decisão judicial que garantia “a entrada de cerca de 80 pesquisadores, entre biólogos, engenheiros florestais e técnicos de apoio em terras indígenas para a realização de estudos ambientais para a viabilização da Usina Hidrelétrica São Luiz dos Tapajós no estado do Pará”.  A notícia foi dada pela própria AGU em seu sítio, matéria posteriormente retirada do ar, mas que já havia sido reproduzida AQUI.

De acordo com a AGU, a pesquisa não viola a decisão liminar obtida pelo MPF, que condiciona a concessão de licença ambiental prévia e a conclusão do Estudo de Viabilidade, à consulta das comunidades indígenas sobre o aproveitamento. “As procuradorias informaram que Estudos de Viabilidade são compostos por diversas análises preliminares e conclusivas sobre os aspectos da fauna e flora da região”, afirma trecho da matéria.

Uma nova versão governamental surgiu a partir da petição feita por pesquisadores, jornalistas, servidores e moradores das comunidades de Montanha Mangabal e dirigida ao Secretário Nacional de Articulação Social da Secretaria Geral da Presidência da República, Paulo Maldos, e à Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário em que se pedia “(...)que a Secretaria Nacional de Articulação Social intervenha para evitar a repetição da violência por agentes do Estado contra populações indefesas e que ao invés, envie representantes para ouvi-los." Leia esse documento AQUI.

Em resposta, Thiago Garcia (Assessor Técnico da Secretaria Nacional de Articulação Social), afirmou no dia 29 de março:
1.   O governo federal está cumprindo decisão judicial motivada por Ação Civil Pública do Ministério Público Federal (Ação Civil Pública nº3883-98.2012.4.0) que determina a realização de estudos para a avaliação ambiental integrada na bacia dos rios Tapajós e Jamanxim utilizando critérios técnicos, econômicos e socioambientais. Para que seja possível concluir a primeira etapa da Avaliação Ambiental Integrada, é necessária a realização dos estudos e análise do nível das águas neste exato período do ano em que a cheia do Tapajós alcança seu pico. Só a partir desses estudos é que se poderá prever com exatidão as consequências de um possível aproveitamento hídrico.

2. A decisão do Governo Federal em deslocar equipes policiais para acompanhar o trabalho dos técnicos que realizarão os estudos não tem nenhuma relação com o Povo Munduruku ou com as comunidades tradicionais e extrativistas que habitam a região do baixo, médio e alto Tapajós. Não se trata, de maneira nenhuma, de qualquer tipo de repressão ou intimidação aos movimentos sociais.  Trata-se de apoio logístico e de segurança à equipe técnica que ficará cerca de um mês em área, inclusive em período noturno. Como sabemos, nessa região, infelizmente, temos uma série de ilícitos sendo praticados, como garimpo ilegal e retirada de madeira. A avaliação é de que poderia haver algum tipo de reação justamente dessa pequena parcela da população envolvida em atividades econômicas ilegais. De nenhuma maneira a mobilização das equipes de segurança dizem respeito às comunidades tradicionais, extrativistas, de pescadores e indígenas. 

3.       A área dos estudos para o possível empreendimento está restrita a uma região do Médio Tapajós. Não haverá ingresso de pesquisadores ou de equipe de segurança em aldeias indígenas ou comunidades durante o período de estudos. A aldeia indígena mais próxima à área de abrangência dos estudos -  Aldeia Sawre Muybu -  está distante cerca de 50 km do local onde os pesquisadores irão trabalhar. Ainda assim, o planejamento dos estudos foi apresentado às lideranças da região e definido um acordo de convivência para que o trabalho dos pesquisadores não interfira nos deslocamentos da comunidade nem em suas atividades de caça e pesca.

4.     As equipes que se deslocaram para a região saíram com a determinação explícita de [não] entrar em comunidades ou abordar moradores. A proposta é de interferir o mínimo possível no cotidiano das comunidades do médio Tapajós.

5.       Importante reforçar que os estudos de Avaliação Ambiental Integrada visam justamente subsidiar o processo de consulta e diálogo com povos indígenas e comunidades da região. Por conta disso, é necessário que esses estudos sejam realizados de forma mais completa possível, de acordo com a legislação. Um bom estudo ambiental é necessário para subsidiar a tomada de decisão sobre a construção do empreendimento e dirimir o clima de insegurança e desinformação que existe hoje na região. 

6.       Outro ponto importante é que a Secretaria-Geral apresentou, no dia 15 de março, uma proposta de realização das consultas para as lideranças indígenas do Médio e Alto Tapajós e está dialogando para a pactuação de um plano de consulta, nos termos da Convenção 169 da OIT. Está prevista a realização de uma nova reunião em abril para tratar desse assunto. 

Por fim, o Secretário Paulo Maldos pediu para reiterar para vocês que a Secretaria Geral, via Secretaria Nacional de Articulação Social, está acompanhando e monitorando de forma permanente a realização dos estudos para que todos os compromissos relatados acima sejam cumpridos e para que não ocorra nenhum tipo de conflito entre os técnicos dos estudos e as populações locais. Um servidor nosso, Nilton Tubino, está na região acompanhando todas essas questões. 

Caso vocês queiram alguma outra informação, ou tenham denúncias ou queiram relatar algum tipo de abuso cometido por pesquisadores ou polícias, entrem em contato imediatamente com a gente. O Paulo pediu para informar celular dele (61-81777036), o do Nilton (61-9928-3439) e o meu, Thiago (61-9126-6988).

Atenciosamente,

Thiago Garcia
Assessor Técnico 
Secretaria Nacional de Articulação Nacional da Presidência da República

Como se percebe, essa nova versão do governo federal entra em contradição com as versões anteriores. Afirma-se que os técnicos das empresas privadas contratadas pelo governo estão fazendo estudos para produção Avaliação Ambiental Integrada (pedida pelo MPF e determinada pela justiça) e não os Estudos de Impacto Ambiental e para concessão da Licença Prévia como afirma em sua nota o Ministério de Minas e Energia e a própria Advocacia Geral da União; e que as forças militares descoladas para a região “não tem nenhuma relação com o Povo Munduruku ou com as comunidades tradicionais e extrativistas que habitam a região” e sim servem de “apoio logístico e de segurança à equipe técnica” contrariando assim a matéria produzida no sítio da AGU que afirma textualmente que conseguira judicialmente “a entrada de cerca de 80 pesquisadores, entre biólogos, engenheiros florestais e técnicos de apoio em terras indígenas para a realização de estudos ambientais para a viabilização da Usina Hidrelétrica São Luiz dos Tapajós no estado do Pará”.
A nota afirma ainda que a área de estudos está a 50 quilômetros da Aldeia Sawre Muybu e que “não haverá ingresso de pesquisadores ou de equipe de segurança em aldeias indígenas ou comunidades durante o período de estudos” e que o “planejamento dos estudos foi apresentado às lideranças da região e definido um acordo de convivência para que o trabalho dos pesquisadores não interfira nos deslocamentos da comunidade nem em suas atividades de caça e pesca”.
O cenário pintado pelo assessor da Secretaria da Presidência também entra em  contradição com as primeiras denúncias que chegam do início da “Operação Tapajós” , mas o documento serviu para provar que nem mesmo o governo federal, nesta vergonhosa intervenção militar em territórios tradicionais, afinou o discurso para tentar convencer uma parte da opinião pública contrária a mais este absurdo.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Projetos para construção de hidrelétricas no rio Tapajós intensificam violações de direitos no Oeste do Pará



Na região Oeste do Pará, povos, territórios, etnias e culturas diferentes enfrentam um problema em comum: o projeto do Complexo Hidrelétrico Tapajós. Os planos para construção de sete usinas hidrelétricas, a partir de barragens no rio Tapajós e Jamanxim, ameaçam pelo menos 32 comunidades, além de dois mil quilômetros de território indígena, principalmente da etnia Munduruku.
Para debater acerca das diversas violações de direitos causadas pelo avanço do projeto de construção das hidrelétricas, além da expansão do agronegócio e da exploração mineral na Amazônia, mais de 20 organizações, vindas de 10 diferentes municípios do Oeste do Pará, se reuniram no seminário regional “Desenvolvimento e Direitos Humanos na Amazônia”. A atividade foi realizada nos dias 22 e 23 de março, no município de Itaituba/PA, pela Terra de Direitos, em parceria com o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB e Comissão Pastoral da Terra – CPT.
Falsas e antigas promessas de desenvolvimento, oportunidades de trabalho e melhorias nas condições de vida têm sido utilizadas como argumento para convencer a população a aceitar a construção das hidrelétricas. “A barragem é anunciada como um processo de desenvolvimento e como a redenção dos problemas enfrentados pelas comunidades. As empresas se aproveitam da ausência de políticas públicas, utilizam isso como instrumento a seu favor”, afirma o integrante da coordenação nacional do MAB no Pará, Iury Paulino. Os responsáveis pelo projeto são Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras S/A, Construções e Comércio Camargo Côrrea S/A, Eletronorte – Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A, e EDF Consultoria em Projetos de Geração de Energia Ltda.
Os ribeirinhos da comunidade Pimental não aceitam o discurso de enaltecimento dos benefícios trazidos pelas hidrelétricas. Eles vivem na região onde se pretende cravar o canteiro de obras da São Luiz do Tapajós, a primeira das sete usinas previstas no complexo, e que já está em fase de estudos ambientais. Com potência prevista em 6.133 MW e 39 metros de altura, a usina formará um reservatório de 722,25 km2. “Não tem dinheiro que pague a convivência na nossa comunidade. O desenvolvimento que nós precisamos é energia, melhorias na saúde , na educação, mas não é preciso hidrelétrica no Tapajós para termos tudo isso”, garante Luiz Matos de Lima, liderança comunitária de Pimental.
Para a assessora jurídica da Terra de Direitos em Santarém/PA, Érina Gomes, um dos principais desafios da resistência à construção do complexo hidrelétrico é romper com a histórica prática da “troca do espelhinho”, que restringe os direitos da população a benesses do estado e das empresas. Segundo a advogada, a falta de diálogo e de informações concretas sobre as consequências das barragens às comunidades têm intensificado os conflitos. “Apesar de todo mundo saber que o governo e as empresas pretendem construir a barragem, que o licenciamento ambiental já está sendo feito, o espaço de diálogo e que proporcione a participação da comunidade não existe de uma forma democrática”.
A falta da consulta prévia e informada, direito previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, está entre as violações cometidas pelas empresas e pelo governo federal no processo de pesquisa para construção da usina São Luiz do Tapajós. Em novembro de 2012, a Justiça Federal proibiu a continuidade das pesquisas em território dos indígenas da etnia munduruku, do Alto Tapajós, pela falta de consulta prévia à população. Apesar da decisão, lideranças munduruku relatam a continuidade dos estudos na área.
Para além da garantia do direito à consulta prévia, as comunidades frisam a necessidade de que a opinião dos moradores seja respeitada, inclusive na posição de que as hidrelétricas não devem ser construídas. Outra reivindicação é sobre a ampliação das comunidades a serem consultadas. A decisão atual do governo brasileiro é de consultar apenas povos indígenas e quilombolas, excluindo os demais atingidos pelos projetos, como ribeirinhos, pescadores artesanais e pequenos agricultores.

João Tapajós, do Conselho Indígena Tapajós Arapiuns – CITA, afirma a necessidade de que as consultas não sejam utilizadas como oportunidade de convencimento da população. “Nós temos que transformar todos os processos de consulta em espaço de mobilização. Precisamos utilizar a consulta como momento de luta.”.

Fortalecimento e articulação das lutas 
Compartilhar a realidade local e debater sobre os problemas e possíveis ações comuns contribuiu para o processo de articulação entre as diversas comunidades que margeiam o rio Tapajós. Como resultado das reflexões, os movimentos e entidades presentes firmaram o compromisso de avançar na articulação de ações conjuntas e no esforço em mobilizar mais pessoas para defender o território onde vivem. “Todos nós temos que colocar os pés no chão e caminhar nessa luta. Nós somos agentes multiplicadores, é uma luta nossa, é do povo”, ressalta o pescador artesanal José Carlos Mota Feitosa, do município de Aveiro.
Também ficou encaminhada a construção de um documento para denunciar as violações de direitos humanos sofridas pelas comunidades em decorrência do projeto hidrelétrico para a região, especialmente sobre o descumprimento da decisão da Justiça Federal de suspender as pesquisas nas terras indígenas Munduruku.

Fotos: Ramon Santos e Ednubia Ghisi

"Nós, povo Munduruku, repudiamos essa maneira ditadora da presidenta que governa o País."

Tropas da Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública estão posicionadas em Itaituba preparadas para a execução da Operação Tapajós. Conforme informações dos indígenas, os soldados e agentes deverão desembarcar em aldeia Munduruku nesta quinta-feira, 28, para garantir realização dos estudos de impacto do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, no Pará.
A denúncia foi feita pela Associação Indígena Pusuru, em carta divulgada nesta quarta-feira, 27. Os indígenas relatam que foram informados, em reunião com a Fundação Nacional do Índio (Funai), em Itaituba, que um grupo de 60 homens da Força Nacional irá para a aldeia Sawre Muybu, também em Itaituba.
No documento, os Munduruku denunciam o governo, que  ”vem mandando seu exército assassino para nos ameaçar e invadir nossas aldeias” e temem um novo massacre, “porque há 4 meses atrás numa operação chamada Eldorado foi morto um parente e vários ficaram feridos inclusive crianças, jovens e idosos”.
Cerca de 250 homens fortemente armados estão posicionados em Itaituba para a realização da Operação Tapajós. Agentes da Polícia Federal, Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal e Força Aérea foi deslocado para as proximidades da Terra Indígena Munduruku com o objetivo de realizar – à força – o estudo integrado de impactos ambientais para a construção do chamado Complexo Hidrelétrico do Tapajós.
O Ministério Público Federal pediu à Justiça Federal em Santarém que impedisse a realização de uma operação policial do governo federal, porque o licenciamento ambiental da usina está suspenso pela mesma Justiça por falta das consultas prévias aos índios. Porém, o juiz Federal indeferiu o pedido. Valendo-se do feriado prolongado da Semana Santa, tradicionalmente maior para o Poder Judiciário, o governo federal desenvolve a operação de guerra.
Leia carta na íntegra:

CARTA DO POVO MUNDURUKU
Nós! Caciques, lideranças e guerreiros do povo Munduruku sempre lutamos e continuaremos lutando em defesa de nossas florestas, nossos rios, e de nosso território pois é de nossa mãe natureza que tiramos tudo que precisamos para sobreviver, mas o governo que devia nos proteger, vem mandando seu exército assassino para nos ameaçar e invadir nossas aldeias, ultimamente nosso povo vem sendo desrespeitado, vem sendo ameaçado por um  governo  ditador que vem ameaçando e  matando nosso povo, usando suas forças armadas como se os povos indígenas fossem terroristas ou bandidos.
Nós, povo Munduruku, repudiamos essa maneira ditadora da presidenta que governa o País. Não aceitamos que policias entrem em nossas terras sem a nossa autorização para qualquer tipo de operação. É um povo especial! Um povo que já existia muito antes deles chegarem aqui, nessa terra onde chamam de Brasil. Brasil é a nossa terra! Somos nós os verdadeiros brasileiros.
Essa semana o governo brasileiro mandou 250 policiais para garantir a força os estudos das hidrelétricas nas nossas terras.
Hoje pela manhã foi decidido na sede da FUNAI em ITAITUBA que 60 homens da Força Nacional irão para a Aldeia sawre muybu, cumprir o decreto expedido pela Presidenta da Republica do dia 12 de março; é uma Aldeia com 132 Indígenas. Estamos muitos preocupados porque há 4 meses atrás numa operação chamada Eldorado foi morto um parente e vários ficaram feridos inclusive crianças, jovens e idosos, na Aldeia Teles Pires.
O governo marcou uma reunião para dia 10 de abril para falar dessa operação. Mas uma vez esse governo está quebrando acordo com o povo Munduruku, por isso não queremos mais reunir com esse governo até que ele pare com essa ação contra a decisão do nosso povo. Pedimos a ajuda do Ministério Publico Federal, para nos ajudar a resolver esses problemas sem que haja mais mortes. Pois não ficaremos de braços cruzados vendo tamanho desrespeito com nosso povo e nosso território.

Povo Munduruku
Jacareacanga, 27 de março de 2013

Fonte: Cimi-Brasil

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Arquitetura da destruição



O governo prevê construir pelo menos duas hidrelétricas até o fim da década no Tapajós, atingindo em cheio um rincão de biodiversidade e beleza

Por Carlos Juliano Barros

Quando decidiu encarar de carro os 3.338 quilômetros que separam o Rio de Janeiro do município de Itaituba, no oeste do Pará, o geólogo Juan Doblas – especialista em imagens de satélite – nem imaginava que daria uma contribuição e tanto à biologia da Amazônia. Enquanto dirigia pelo trecho da BR 163 que atravessa o Parque Nacional do Jamanxim, uma das doze unidades federais de conservação ambiental que protegem essa parte da floresta alimentada pela bacia do rio Tapajós, ele se deparou com uma macaca que, atordoada pelo barulho do automóvel, abandonou em plena estrada o filhote que carregava.
Depois de deixar o pequeno animal em uma árvore, permitindo que ele fosse resgatado pela mãe, Doblas resolveu filmar e tirar fotos do reencontro. “Quando cheguei a Itaituba, mostrei as imagens para um amigo do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) especialista em macacos”, conta o geólogo. A surpresa de ambos não poderia ser maior.

 Corredeiras do rio Tapajós que serão alagadas na construção da barragem da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós.
 
Tratava-se de uma espécie em perigo, típica do estado do Amazonas, mas que, supõe-se, havia se deslocado para essa parte do Pará justamente por encontrar na floresta intocada do Tapajós um verdadeiro refúgio. “Foi um fato casual que mostrou dados completamente novos sobre a distribuição de espécies em extinção na Amazônia”, explica Doblas, que trabalha com geoprocessamento no Instituto Socioambiental (ISA), uma das principais organizações ambientalistas do país.
O geólogo narra esse episódio justamente para ilustrar a incrível – mas, em boa parte, desconhecida – biodiversidade que pode ser duramente golpeada pela construção de um complexo de hidrelétricas nos rios Tapajós e no seu afluente Jamanxim. O potencial levantado para essa bacia hidrográfica localizada no oeste do Pará comporta até sete usinas capazes de produzir no total cerca de 14 mil Megawatts (MW) – potência equivalente à da binacional Itaipu.
De acordo com o Plano Decenal de Expansão de Energia 2021, documento produzido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), ao menos duas delas devem entrar em funcionamento até o final desta década: São Luiz do Tapajós e Jatobá.
Se efetivamente sair do papel, o complexo hidrelétrico pode trazer impactos ambientais inimagináveis para os 850 quilômetros de águas de tons azuis e verdes do Tapajós, guarnecido por dezenas de reservas florestais e terras indígenas. Sem sombra de dúvida, trata-se de uma das mais belas partes da Amazônia. Tanto é assim que um dos destinos turísticos mais conhecidos da floresta, as paradisíacas praias de Alter do Chão, ficam no município de Santarém, na foz do rio.
Como nem poderia deixar de ser, a construção desse conjunto de hidrelétricas não vai acarretar problemas apenas ao meio ambiente. Segundo a Eletronorte, subsidiária da estatal Eletrobras responsável pelo inventário das informações acerca das usinas do Tapajós, pelo menos 2,3 mil pessoas de 32 comunidades ribeirinhas serão diretamente afetadas se os sete empreendimentos forem levados a cabo. Outras 16 aldeias indígenas da etnia munduruku também terão parte de seus territórios inundada pelos reservatórios que serão formados pelas barragens.
Das usinas previstas no complexo hidrelétrico, duas delas – São Luiz do Tapajós e Jatobá, ambas no rio Tapajós – já tiveram seu processo de licenciamento ambiental iniciado no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Por enquanto, o custo das duas é estimado em R$ 23 bilhões, com verba carimbada pela segunda edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2).
São Luiz do Tapajós, a maior do complexo, com capacidade para 6.133 MW, é a que está em fase mais adiantada. A obra mexe em um cenário tão delicado que, mesmo antes de ser concluído seu Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), já vem provocando uma verdadeira batalha nos tribunais. No último mês de novembro, a Justiça Federal suspendeu, em primeira instância, o licenciamento da hidrelétrica por conta de uma ação movida pelo Ministério Público Federal (MPF) de Santarém (PA).
“O pedido de suspensão se baseia em dois motivos. Em primeiro lugar, não foi realizada uma avaliação ambiental integrada. É preciso analisar o impacto conjunto de todas as usinas previstas para a bacia do Tapajós, e não o de apenas uma delas isoladamente”, explica Fernando Antônio Oliveira Júnior, procurador do MPF. “Além disso, não foi feita uma consulta prévia às populações indígenas que vão ser afetadas pelos empreendimentos. Essa consulta tem que ser anterior a qualquer tipo de autorização.”
O Tapajós é considerado a última grande fronteira energética da Amazônia. Por enquanto, é o único dos quatro grandes afluentes da margem direita do Amazonas que não foi represado para a produção de eletricidade em larga escala. Na década de 1970, os militares barraram o rio Tocantins para fazer a usina de Tucuruí, aquela que hoje é segunda maior hidrelétrica do Brasil em funcionamento, atrás apenas de Itaipu. Com a chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto e a criação do PAC, foram erguidas Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, além de Belo Monte, no Xingu.
“Os governos de Lula e de Dilma Roussef estão decididos a transformar o Brasil na terceira maior economia do mundo à custa da nossa floresta”, critica o Padre Edilberto Sena, do Movimento Tapajós Vivo, fórum que reúne diversas organizações de defesa do meio ambiente e dos direitos das populações locais.
Por encomenda da ONG Conservação Internacional, Wilson Cabral, pesquisador e professor do Instituto de Tecnologia de Aeronáutica (ITA), está produzindo um estudo que calcula, na ponta do lápis, os reais custos econômicos, sociais e ambientais envolvidos na construção das usinas do Tapajós.
Em 2010, o professor produziu uma pesquisa semelhante sobre Belo Monte e concluiu que o empreendimento tinha mais de 90% de chance de inviabilidade. Segundo as complexas fórmulas matemáticas utilizadas pelo professor, o valor do prejuízo variava em um intervalo de US$ 7 milhões a US$ 8 bilhões.
O novo estudo está em fase final e deve ser divulgado no começo de 2013. Por essa razão, ele evita falar de valores. Mas, ao que tudo indica, o Tapajós segue a mesma trilha de Belo Monte. “A análise está apontando inviabilidade para todas as usinas e, consequentemente, para todo o complexo”, afirma Cabral. “Não é preciso empreender hidrelétricas no Tapajós para atender a demanda energética brasileira, desde que se invista em outras fontes e também se trabalhe a eficiência do consumo da energia que já é produzida.”

Arquitetura da destruição
Para acelerar o licenciamento das duas primeiras usinas do complexo, São Luiz do Tapajós e Jatobá, o governo federal precisou recorrer a um verdadeiro malabarismo legal. Em janeiro, a presidente Dilma Roussef editou a Medida Provisória 558, convertida em lei no mês de junho, pela qual reduziu as áreas de cinco Unidades de Conservação (UCs) ambiental na entorno do rio Tapajós.
Em uma canetada, 75 mil hectares de florestas intocadas – que podem ser inundados com a formação dos lagos artificias das duas barragens – ficaram sem proteção do dia para noite. O governo argumenta que, sem essa medida, seria impossível iniciar o processo de licenciamento ambiental no Ibama.

 As belas praias do caribe do Tapajós também sofrerão impactos com as barragens

À primeira vista, a área “desafetada”, como se diz tecnicamente, parece não ser tão expressiva assim. Tanto é que o governo se defende das críticas argumentando que, para a construção das usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá, apenas 2% da dimensão total das reservas vão de fato para baixo d’água. Mas, neste caso, vale o popular ditado de que tamanho não é documento. “A parte que será afetada nas unidades de conservação é o coração, a parte mais importante das reservas, justamente por conta da proximidade com o rio”, explica Juan Doblas, do ISA.
A Medida Provisória posteriormente convertida em lei provocou uma celeuma no ICMBio, responsável pela gestão das reservas ambientais do Brasil. Em julho, técnicos do órgão federal lotados no escritório de Itaituba, responsáveis por 12 unidades de conservação na bacia do Tapajós, lançaram um manifesto público criticando duramente não só a decisão do governo federal de reduzir a área de proteção ambiental, mas sobretudo a forma atropelada com que ela foi tomada.
“Os registros feitos até o momento apontam altíssima biodiversidade, com considerável taxa de endemismo e grande representatividade de espécies ameaçadas de extinção”, diz o documento. “Do ponto de vista da legalidade, denunciamos a desafetação das unidades realizada primeiramente por medida provisória com objetivo único de dar celeridade ao processo em detrimento da realização de estudos comprometidos com a destinação original dessas áreas: proteção e conservação da biodiversidade.”
O MPF também está questionando judicialmente a via legal utilizada pelo governo federal para reduzir a área das UCs na bacia do Tapajós, através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). “O principal aspecto é formal”, explica o procurador Felipe Bogado. “A área de uma Unidade de Conservação não pode ser reduzida por meio de uma lei complementar que substitui uma Medida Provisória, como fez o governo”, acrescenta. Até o momento, o Supremo Tribunal Federal (STF), que analisa o processo, não se pronunciou sobre o caso.
Tragédia anunciada, o simples anúncio da redução das áreas de preservação disparou automaticamente o gatilho da degradação dessa parte da Amazônia. “A região aqui é rica em minérios. Com a desafetação das áreas, está ocorrendo um aumento de pressão sobre a floresta, principalmente nessas áreas que não fazem mais parte das unidades de conservação”, explica Nilton Rascon, analista ambiental do ICMBio.
O crescimento da atividade de garimpos irregulares é perceptível a qualquer um que viaje pelo rio. No trecho de 400 quilômetros do Tapajós entre os municípios de Itaituba e Jacareacanga havia, até janeiro, cinco barcaças – chamadas de “escariantes” – fazendo garimpo diretamente no leito do rio. Com a desafetação das unidades de conservação, esse número pulou para impressionantes 35, em poucos meses deste ano. “O ICMBio precisa de mais fiscais na região. Ainda vêm muitos analistas de fora, de outros estados, para ajudar”, reconhece Rascon.

Impactos ambientais
A entrada do Parque Nacional (Parna) da Amazônia, primeira unidade de conservação desse tipo criada no país, em 1974, fica a pouco mais de uma hora de carro do centro de Itaituba. Para chegar até lá, é preciso encarar trechos de asfalto e de terra batida da BR 230, mais conhecida como Transamazônica, um dos projetos emblemáticos da ditadura militar. Se a barragem de São Luiz do Tapajós for construída, uma fração de 112 quilômetros da rodovia que corta o parque também será inundada. Até o momento, porém, nenhum representante do governo federal ou da Eletrobras veio a público para explicar como será feita a cirurgia para reconectar as pontas soltas da estrada.

Entrada do Parque Nacional da Amazônia, cortado pela rodovia Transamazônica 
Foto: Fernanda Ligabue

E não é apenas uma parte da BR 230 que será alagada no Parna da Amazônia. Do principal mirante da reserva, aberto à visitação para turistas, é possível observar corredeiras formadas por um aglomerado de rochas encravado no meio do Tapajós. Digno de um cartão postal, esse trecho do rio não é protegido pelos órgãos ambientais apenas pelos seus atributos estéticos. Várias espécies de peixes  aproveitam as corredeiras para fazer o épico ritual da piracema – a subida do rio necessária à sua reprodução.
Com a barragem de São Luiz do Tapajós, as corredeiras vão literalmente sumir do mapa, e a piracema será inviabilizada, trazendo consequências imprevisíveis. “A solução técnica é construir um tipo de escada para ajudar os peixes a subir o rio”, explica o biólogo Javan Lopes, servidor do ICMBio. “Porém, o ambiente da corredeira tem muito mais oxigênio. Então, mesmo que se construa a escada, os peixes podem morrer porque o oxigênio disponível na água diminui”, completa. Os técnicos do ICMBio não descartam uma verdadeira hecatombe ambiental: 90% das 400 espécies de peixes catalogadas no parque podem não resistir.
Nos últimos quatro anos, os gestores do Parna da Amazônia trabalharam continuamente no plano de manejo da unidade de conservação – levantamento meticuloso da fauna e da flora que, com a redução da área da reserva, será jogado literalmente na lata do lixo. Até o presente momento, foram registradas 390 espécies diferentes de aves. Entre os mamíferos catalogados, há animais que correm sério risco de extinção, como a onça-pintada, a onça-vermelha, o tamanduá-bandeira e a jaguatirica.
O destino de tamanha diversidade natural é objeto do EIA/Rima da usina de São Luiz do Tapajós, ainda em andamento. A estimativa inicial era que o estudo ficasse pronto até o final deste ano, já que o governo tinha planos de licitar a construção da hidrelétrica em 2013. Quando for finalizado, o documento vai possibilitar análises científicas mais refinadas sobre os impactos ambientais que podem de fato ocorrer. Mas o cronograma dificilmente será cumprido – ainda mais com a decisão judicial de novembro que suspendeu o licenciamento até que se realize uma avaliação integrada dos impactos gerados por todas as sete usinas previstas para os rios Tapajós e Jamanxim.
Não há dúvidas de que o complexo hidrelétrico vai reconfigurar a compleição natural do oeste do Pará. “Foram necessários milhares de anos para a criação de um equilíbrio ecológico entre as espécies, como a tartaruga e o tucunaré, que depende da subida e da descida dos rios”, explica Juan Doblas. “Essas barragens vão alterar completamente os ciclos de cheia e de seca não só dos rios Tapajós e Jamanxim, mas de toda a rede hidrográfica associada.”
Para entender como o fluxo do Tapajós se altera ao longo do ano, por exemplo, basta ir a Itaituba em duas épocas diferentes. A orla da cidade chega a alagar no período de cheia, que coincide com as chuvas do primeiro trimestre. Porém, na época da seca, intensificada a partir do segundo semestre, aparecem muitas praias nas margens do rio.
Os impactos ambientais provocados pelas usinas do Tapajós podem ser mais graves até do que os gerados por Belo Monte – isso, claro, se o Estado brasileiro mantiver sua palavra e não construir novas usinas no Xingu. Uma breve comparação fornece pistas do que está por vir: o lago artificial a ser formado com a barragem do rio Xingu no município de Altamira terá 510 quilômetros quadrados. Só na barragem de São Luiz do Tapajós, serão alagados 722 quilômetros quadrados – metade da área do município de São Paulo. No Xingu, o trecho do rio a ser barrado terá 200 quilômetros de comprimento. No Tapajós, será duas vezes e meia maior. O Jamanxim, com três usinas, vai se converter numa sucessão de lagoas.
Outra pulga atrás da orelha dos ambientalistas diz respeito à relação entre o barrento rio Amazonas e o esverdeado Tapajós, que se encontram – mas não se misturam – no município de Santarém. A preocupação é com uma possível invasão das águas do Amazonas sobre as do Tapajós, o que significaria a ruína turística do balneário de Alter do Chão, por exemplo. “Se eu falar isso para um engenheiro da Eletrobras, ele vai rir na minha cara”, afirma Doblas. “Mas eu tenho questionado doutores em hidrologia, e eles me disseram que essa possibilidade tem que ser estudada. É preciso fazer um modelo no computador. É provável que isso aconteça? Acho que não. É possível? Sim.”

Encontro das águas barrentas do rio Amazonas e cristalinas do rio Tapajós, 
na frente da cidade de Santarém - PA

É justamente para dirimir essas dúvidas – e separar o que é mera especulação do que é risco de fato – que o Ministério Público Federal acionou a Justiça para cobrar a realização de uma Avaliação Ambiental Integrada (AAI) e de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) dos impactos gerados por todas as usinas previstas no complexo hidrelétrico, e não apenas por São Luiz do Tapajós. “É uma postura preventiva do MPF. Queremos apenas que os marcos legais sejam respeitados”, explica o procurador Fernando Antônio Oliveira Júnior.
Por meio de nota emitida por sua assessoria de imprensa, a Eletrobras – empreendedora das usinas de São Luiz do Tapajós e de Jatobá – sustenta que a avaliação ambiental integrada “não é exigência legal para emissão das licenças ambientais”. A nota afirma também que a metodologia da AAI foi construída após a conclusão dos estudos do inventário do potencial hidrelétrico de toda a bacia do Tapajós.
Em outras palavras, a estatal argumenta que não havia obrigatoriedade de proceder a essa avaliação integrada na época em que fez o inventário das usinas. Por fim, a nota informa que a empresa está contratando uma equipe para fazer a AAI, que fará parte “do conjunto de estudos para a viabilidade de São Luiz do Tapajós e Jatobá, o que demonstra o comprometimento dos mesmos com as melhores práticas ambientais”.
A Aneel também se manifestou por meio de nota emitida pela assessoria de imprensa. A agência defende a construção das usinas no Tapajós, com a justificativa de que a hidroeletricidade tem “muito menos impacto ambiental” que outra fontes térmicas à base de combustíveis fósseis.
O documento afirma ainda que “o licenciamento é o principal movimento para a resolução de conflitos socioambientais, tendo em vista que a elaboração do EIA/Rima e a realização de audiências públicas possibilitam o estabelecimento de condicionantes pelos órgãos ambientais”.

Energia para quem
Nos hotéis e restaurantes do centro de Itaituba ou nos trechos mais recônditos da floresta do entorno do Tapajós, é possível dar de cara com caminhonetes e técnicos de camisa polo azul a serviço da CNEC Engenharia. A empresa é a responsável pela realização dos estudos de viabilidade e do projeto técnico da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, mas também operou nas usinas de Belo Monte, no rio Xingu, e de Estreito, no rio Tocantins, além de diversos outros empreendimentos de porte na Amazônia.
Até janeiro de 2010, a CNEC – fundada em 1959 por engenheiros da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) – constituía o braço intelectual, por assim dizer, de uma das maiores empreiteiras do país: a Camargo Corrêa, responsável por algumas das obras de envergadura do PAC, como a hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira. Quase três anos atrás, porém, a empresa foi vendida por R$ 170 milhões para o grupo australiano WorleyParsons, uma das mais conhecidas consultorias de energia em todo o mundo.
Foram justamente os engenheiros da CNEC que, na década de 1980, mapearam os projetos de construção de usinas no rio Tapajós – e em quase todos os afluentes do rio Amazonas. Era ela quem municiava de informações e pareceres técnicos a Eletronorte, subsidiária da estatal Eletrobras responsável pelo aproveitamento do potencial hidrelétrico da região norte do país, desde o regime militar. “Naquela época, eu brincava dizendo que a Eletronorte era um escritório da Camargo Corrêa”, conta Arsênio Oswaldo Sevá Filho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e grande conhecedor do sistema elétrico nacional.
A CNEC é o elo técnico do “cartel barrageiro” que, segundo o professor Sevá, se instalou no Brasil na época da ditadura e, desde então, não mais arredou pé do país, pressionando os governos brasileiros ao longo do tempo para a construção de grandes hidrelétricas. Nesse clube restritíssimo, figuram as principais empreiteiras brasileiras, que rateiam entre si o bolo das obras de construção civil – elas são apelidadas de “cinco irmãs” e congregam Camargo Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão.
Também participam do grupo as corporações internacionais que fornecem equipamentos de alta tecnologia para as usinas, como a alemã Siemens e a japonesa Toshiba. Fecham a sociedade as grandes mineradoras que não apenas consomem – mas também vendem – a energia produzida nos rios amazônicos, como a Vale e norteamericana Alcoa, por exemplo.

Uma amostra da atividade mineradora no Pará

A verdade é que o Brasil é dos poucos países do mundo – ao lado da China, da Índia, da Turquia e do Congo – onde ainda existe espaço para tirar do papel projetos bilionários de hidrelétricas. Em tempos de crise econômica global, construir barragens nos rios da Amazônia é a verdadeira galinha dos ovos de ouro para players do capitalismo que atravessam sérias dificuldades para fechar grandes negócios.
“Estamos oferecendo à indústria internacional a continuidade dos negócios a longo prazo e a custo baixo”, analisa Sevá. “O governo brasileiro libera as licenças, mesmo que se destruam o meio ambiente e a vida das populações locais. Depois, garante o custo baixo da mão-de-obra e, principalmente, do dinheiro necessário às obras, porque coloca as empresas estatais, os fundos de pensão e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para alavancar o negócio.”
A usina de Belo Monte é o exemplo mais bem acabado desse fenômeno. Só o grupo Eletrobras e os fundos de pensão dos funcionários da Petrobras (Petros) e da Caixa Econômica Federal (Funcef) respondem, atualmente, por 70% da composição acionária do consórcio construtor da barragem. Em outras palavras, os riscos e os altíssimos investimentos inerentes à obra fizeram a iniciativa privada passar longe.
Para bancar o prejuízo, o governo tem aberto as torneiras do BNDES. Na última semana de novembro de 2012, o banco anunciou o maior financiamento de toda a sua história para a conclusão das obras da usina: R$ 22,5 bilhões a serem pagos em três décadas. Antes dessa operação, porém, o BNDES já havia feito empréstimos-ponte (de curto prazo) de R$ 2,9 bilhões para o consórcio construtor da hidrelétrica.
“O custo de produzir hidrelétrica na Amazônia é muito alto e incerto”, afirma Wilson Cabral, do ITA. “Todos os projetos geraram aditivos contratuais da ordem de pelo menos 25%”, alerta. No caso do Tapajós, a engenharia financeira para viabilizar a obra ainda não está traçada – até porque os R$ 23 bilhões previstos para as usinas de São Luiz do Tapajós e Jatobá no orçamento do PAC 2 não passam de estimativas. Mas, assim como aconteceu nas usinas dos rios Madeira e Xingu, não há dúvidas de que o tripé formado por Eletrobras, fundos de pensão e BNDES deve entrar na jogada.
Tampouco está decidido o futuro da eletricidade a ser gerada. Na página 80 do Plano Decenal de Expansão de Energia 2020, é possível ler com todas as letras que ela servirá integralmente para alimentar a demanda das regiões Sudeste e Centro-Oeste. Porém, não é demais lembrar que o Pará concentra a maior província mineral do planeta. Além do ouro, que hoje é explorado em mais de 2 mil garimpos ao longo do rio Tapajós, as novas usinas devem consolidar o estado como um grande polo de alumínio.
Atualmente, existem quatro grandes projetos de extração e beneficiamento de bauxita no Pará, envolvendo gigantes como as brasileiras Vale e Votorantim, a norteamericana Alcoa e a norueguesa Hydro. Uma das principais reclamações dessas indústrias – chamadas de eletrointensivas, por consumirem eletricidade em larga escala – é o preço da energia. O complexo hidrelétrico do Tapajós é uma dos caminhos para baratear os custos. “Os grupos que estão por trás, apoiando inclusive financeiramente a construção das usinas, são empresas de exploração de commodities minerais. Então, esses empreendimentos não vão equalizar a demanda de energia para o Sudeste. Eles são para empresas que estão se assentando na região Norte”, finaliza Cabral.